sábado, 19 de outubro de 2013
O rei e o chefe
Outubro e Novembro são os meses consagrados à Lusofonia em Macau, com a realização de fórums, festivais, concertos, encontros da diáspora macaense, e para ajudar à festa, a vinda de algumas personalidades vindas de Portugal e dos países de onde se fala Português. Estes dias temos por cá duas figuras bem conhecidas dos portugueses: D. Duarte Pio e Henrique Sá Pessoa. Que luxo, dois figurões, e logo de uma assentada.
D. Duarte, duque de Bragança, é o nosso “has been” mais famoso: SE Portugal fosse uma monarquia, ele seria o rei. SE a minha avó não tivesse morrido, ainda era viva. Atendendo à imagem de D. Duarte – e não o conheço pessoalmente, portanto a “imagem” é tudo o que tenho como referência – dou graças pela República. Pode ser que o actual presidente não seja muito melhor, pelo contrário, mas pelo menos não temos que o aturar a vida toda. E se é assim tão unanimamente reconhecido como “mau”, não entendo como votaram nele. E esta é uma das vantagens da República: poder escolher e viver com as más escolhas.
D. Duarte foi efusivamente recebido por um grupo de residentes do território que se diz “monárquico”, entre os quais alguns conhecidos e amigos meus. São todos óptimas pessoas, e o próprio D. Duarte é um senhor muito simpático, mas sinceramente não considero a monarquia uma solução para os nossos problemas. Os tais “monarcas” ainda não tinham nascido antes de 1910, ano em que a monarcia caducou, e nesse tempo estava bastante decadente, e o país em ruína. Já sei que vão dizer que os malvados dos republicanos tomaram o poder pela força, mas o que fizeram não foi mais que eutanasiar a monarquia, mesmo que tenha sido a tiro e a sangue frio.
Mas compreendo que isso de ser monarca é chique, conhece-se muita gente bem e tal, é como pertencer à maçonaria, ou a um “gentleman’s club”. É reservado a alguns poucos, escolhidos a dedo, e os pobres, os operários o povo e não sei quê, que nunca viram um palácio por dentro, não entram. Acho muito bem que D. Duarte nos tenha honrado com a sua visita, é muito simpático, repito, mas não reconheço nele capacidades para ser rei. Rei dos Frangos, talvez, apesar da forte concorrência, mas de Portugal e dos Algarves, dispenso. Obrigado na mesma.
Henrique Sá Pessoa é um chefe de cozinha da nova geração, um jovem com ideias novas e muito talento. Ao contrário dos monstros sagrados culinária lusitana, como Filipa Vacondeus ou o Chefe Silva, considerados conservadores e pouco dados a novidades, Sá Pessoa é um inovador, um experimentalista, que não tem medo de desafiar os dogmas e preconceitos da nossa gastronomia. Adepto da cozinha de fusão, não se inibe em juntar fruta a pratos de carne, e dá especial importância à apresentação, e com razão, pois os olhos também comem.
Uma das qualidades de Sá Pessoa é a sua capacidade de comunicar, a sua presença televisiva, e já agora a sua aparência, que deita por terra o cliché do cozinheiro gordo de chapéu alto e colher de pau. A figura elegante e a barba bem cuidada – faz lembrar aqueles médicos de antigamente, a quem a barba transmitia confiança – diz-nos que cozinheiros podemos ser nós todos, e nem é preciso ser gordo, como quem quer provar que cozinha tão bem que não resiste em estar sempre a enfardar. O que é preciso mesmo é talento, e no seu caso pesquisa, vontade de tentar coisas novas, tudo o que dá muito trabalho.
Macau e Portugal ficam sempre mais perto quando vêm cá estes ilustres convidados, e mesmo que não tenham vindo porque nos adoram e andavam mortinhos por nos conhecer, não podemos deixar de lhes ficar gratos pela sua disponibilidade. Bem vindos a Macau, D. Duarte, rei que nunca foi, e Henrique Sá Pessoa, chefe “de facto”. E voltem sempre.
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