segunda-feira, 29 de julho de 2013

Macau, capital do soco


Macau ultrapassou Las Vegas em termos de receitas originadas pelo jogo. Isto são “old news”, que já toda a gente está farta de saber. Esta notícia tem barbas, e as próprias concessionárias norte-americanas a operar no território há muito que vão “tapando os buracos” do prejuízo que as suas operações no Nevada vêm dando nos últimos anos com o dinheiro de Macau. Só que este “feito” que deixará os mais elementares torcedores do pequeno David que derrubou o gigante Golias com um sabor indiferente na boca, de bolacha de água-e-sal. Não fosse a generosidade de Pequim e a política dos vistos individuais, e seria impossível este cantinho do sul da China bater aos pontos a mítica Las Vegas, que os menos atentos ainda consideram a meca mundial do jogo. Enquanto Las Vegas continua a ser sinónimo de “glamour” e é procurada por formas de entretenimento que vão além da sempre-mesmice das apostas, Macau é uma enorme máquina de lavar do regime chinês, onde os casinos se elevam sobre uma cidade desinteressante, ainda que suportada por um património cada vez mais volátil, que dificilmente convida a uma segunda visita.

Depois deste triunfo sobre Las Vegas nos cifrões, Macau prepara-se para aproveitar a embalagem e retirar à cidade norte-americana o estatuto de capital do boxe. Do boxe, sim, aquela espécie de desporto barbárico que consiste em dois tipos semi-nus dentro de um ringue a distribuir “fruta” até que um deles caia para o lado. O vencedor é o que se conseguir aguentar de pé após ter recebido do adversário um número de socos no crânio e arredores, suficiente para causar lesões cerebrais graves. O derrotado é normalmente o que acaba estendido no tapete, uma situação humilhante, pelo menos para qualquer um de nós. Só que após o arraial de porrada a que o indivíduo é sujeito, é uma sorte que se lembre do próprio nome, quanto mais ter a noção de espaço, tempo e do que acabou de lhe acontecer.

Não consigo partilhar o entusiasmo dos que exultam cada vez que Macau entra no mapa mundial de qualquer coisa. O boxe não passa de uma selvajaria, uma manifestação primitiva do mais animalesco que há na espécie humana. Como se motiva alguém a encher de porrada outra pessoa que não nos fez mal algum? E que exemplo estamos a dar aos mais jovens? Que isto é um espectáculo, e estes tipos uns atletas? Modelos de virtude porque “têm fama e dinheiro”? Que se aprende qualquer coisa com o boxe? Nenhum pai no seu perfeito juízo encoraja um filho a seguir uma carreira no boxe. Não se vai criar um filho para acabar com a cara feita num bolo, e com um QI inferior ao de quando começou, que já não era nada por aí além – afinal optou pela profissão de boxista. O tal Manny Pacquiao que agora nos visita, e aquele outro indivíduo cujo nome não me recordo que veio para levar porrada dele em Novembro, mal conseguem juntar três ou quatro palavras que dêm sentido a uma frase.

Além da ausência de qualquer componente educativa ou cultural, o boxe arrasta consigo outros aspectos nada recomendáveis, que me levam mesmo a pensar que Las Vegas ficaria agradecida se a “capital” mudasse para estas bandas. Quando penso em boxe profissional vem-me à cabeça as apostas, os resultados arranjados, as quedas coreografadas no “round” indicado, e tudo controlado pela máfia. Quem acredita que a maioria dos combates não são combinados, é muito crente. É o tipo de pessoa que no fim do shakesperiano “Romeu & Julieta” telefona aos paramédicos, para “virem socorrer um jovem casal envenenado”. Entre um combate de boxe, onde os bilhetes são caríssimos, e a tourada, prefiro mil vezes esta última. Brutalidade por brutalidade sempre é melhor que seja genuína, e pelo menos ninguém convence o touro a atirar-se para o chão simulando um “knock-out”. Pensando bem, comparada com o boxe, a tourada chega a ser uma arte.

Não me levem a mal os adeptos do boxe, ou melhor desta adulteração do boxe original. Assim como a luta livre, que hoje todos identificam com as macacadas do “wrestling”, o boxe é uma modalidade milenar, praticada nas Olimpíadas tanto da era moderna como nas da antiguidade. Só que o boxe olímpico obedece a regras mais rígidas, e o objectivo principal é fazer o maior número de pontos através de golpes cirúrgicos no adversário. Em termos de emoção é tão monótono que faz com que o espectador mais hiperactivo seja induzido em comatose. Este boxe que agora nos querem impingir é como um número de circo, levado a cabo por montanhas de músculos, grande parte deles com uma qualquer falha na psique. A imagem de brutalidade que alguns deles transmite vai além dos ringues, e chegam a estar a braços com problemas na justiça, revelando tendências homicidas preocupantes. Se estou a exagerar? Um nome: Mike Tyson. Chega? E com isto ganho este argumento. E por KO.

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