quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Macao Stories


LIÇÕES DA VIDA

Leocardo Price

Não me via a viver sem ti, e por isso tolerava-te tudo e mais alguma coisa. Certo dia fizeste-me ficar contigo em casa enquanto a minha irmã dava à luz no hospital, e nunca me deixaste visitá-la. Fazias isto porque querias ver-me sofrer, testavas-me para saber se te merecia. Fizeste-me zangar com todos os meus amigos e amigas, rasgaste fotografias das minhas namoradas, ficaste-me com a chave de casa. Quando saíamos juntos armavas sempre escândalo, e eu acabava a gritar em restaurantes apinhados de pessoas conhecidas. Uma vez fizeste-me deixar o restaurante sem pagar a conta. Uma vez estávamos na Taipa, a chover, discutimos, meti-me num táxi e deixei-te a falar sozinha no meio rua. Quando andávamos juntos na rua pareciamos crianças traquinas: eu pisava-te, e a seguir empurrávas-me. Beliscava-te, e depois davas-me um pontapé, e eu chamava nomes à tua mãe em chinês para toda a gente ouvir. Às vezes para me castigares mordias-me no pulso, e a brincar dizias que me estavas a dar um relógio. Era assim em toda a parte, desde o Jardim Lou Lim Ieoc, onde íamos namorar, até à Farmácia Popular onde iamos comprar os medicamentos para as tuas alergias. Sim, porque adoravas aquele prato de caril de camarão com côco que eu fazia, apesar de seres alérgica ao camarão. Um dia disseste-me que ias engravidar de propósito para me obrigares a aturar-te para o resto dos meus dias. Aí fui-me embora, mudei de casa. Ficaste com a minha casa e não te disse para onde ia. Não sei se resolveste o problema da renda, ou se simplesmente deixaste de pagar. É que depois nunca mais te vi, nunca mais te telefonei, nem tu, de cima do teu orgulho besta me telefonaste. E ainda dizem que Macau é pequeno. Pensei que desta vez tinhas aprendido a lição, e que eu era também gente. Mas não aprendeste nada.


A VIDA SEM A-MEI

Leocardo Ford Coppola

Lembro-me quando te conheci, numa daquelas escapadelas que dei com os meus outros amigos casados. Encontrei-te na rua, disseste-me algo imperceptível mas entendi que estavas ali a vender o corpo. Combinámos o preço, levaste-me para o quarto da tua pensão imunda onde coabitas com o maranhal e fizemos amor. Aquilo foi fazer amor. Como nos amámos, beijámos, fizemos coisas com os pés e com a língua, estávamos mesmo apaixonados. Passei a procurar-te nos dias de semana, quando a minha mulher voltava tarde do trabalho, e mesmo nos fins-de-semana, quando caíam “naquela altura do mês”, arranjava sempre uma boa desculpa para sair. Como não falávamos o mesmo idioma – e não era preciso dizer nada – nunca sabia quando voltavas lá para Fujian ou lá de onde eras. E por vezes ia-te procurar lá no meio do putedo, e perguntava por ti às restantes meretrizes. O nosso melhor tempo foi no Natal de 2004, quando a minha mulher foi com os meus sogros à Coreia do Sul mais os miúdos, e como eu não tinha mais férias, fiquei uma semana sozinho em casa. Eram loucos os nossos esquemas, levava-te para casa, e nunca entrávamos juntos. Faziamos turnos para ir comprar comida e cigarros, eu saía para trabalhar e chegava a deixar-te sozinha na minha casa o dia todo. Podias ter-me levado as pratas ou os euros das gavetas, mas não, esperavas sempre por mim, paciente como uma gatinha. Ficávamos os serões inteiros na cama a ouvir Leonard Cohen e The Doors, apesar de para ti aquilo não fazer nenhum sentido. O melhor foi aquele Sábado em que fazia muito frio, e ficámos o dia inteiro na cama, levantando-nos apenas para refazer os nossos corpos consumidos pelo desejo. Nunca me importei com as hordas de outros homens que tomavam o teu corpo quando vinhas ficar aqui dois meses. Para mim eras a mais pura e a mais casta. Os únicos momentos em que comunicávamos era quando viamos televisão juntos; eu ouvia e tu lias as legendas. Brincavas comigo quando eu via o Telejornal, e dizias que os portugueses falavam “bzz bzz bzz”. E ríamos. Nem quando te foste embora saímos do meu prédio juntos, nem eu te levei de volta para a maldita pensão, carregada dos teus pertences baratos comprados todos na China. Apesar disso iamos jantar juntos muitas vezes, sempre num silêncio confortável. Faz hoje anos a última vez que nos vimos, e queria que te lembrasses, minha linda A-Mei.



COMPLEXO DE PRÉDIO

Leocardo Allen

O pior de viver num prédio cheio de gente desconhecida é o ar com que enfrentamos o primeiro encontro no elevador com um vizinho que nunca vimos antes. Fui jantar fora esta noite, e quando descia no elevador, paro no sétimo andar e entra uma filipina com um ar grotesco. Gorducha, na casa dos seus cinquenta anos, narinas largas, cara cheia de marcas, mas mesmo assim com um decote bastante ousado e dois brincos de ouro. Parecia uma versão hollywoodesca duma feirante cigana do Feijó. Aqueles sete últimos andares foram uma verdadeira angústia, uma vez que a dita senhora não parava de olhar para mim a sorrir. Parecia que me ia comer. Saídos do maldito ascensor tentei chegar ao portão do prédio o mais rapidamente possível, para não ter que olhar mais para ela. Mas quando abro o portão lá estava ela atrás de mim, e gentilmente (antes de mais nada um gentleman) fiz de porteiro por um segundo. Ela diz-me “thank you” numa voz muito doce, salto do último degrau, e vou à minha vida. Quando me preparo para atravessar, ela diz-me mais qualquer coisa. Viro-me e pergunto-lhe “what?”, e é aí que percebo que afinal estava a falar com outra filipina do outro lado da rua. E ela volta a dizer “thank you”. Gente estranha, terra estranha, prédio estranho.

13 comentários:

  1. "deixaste" e não "deixas-te"....logo no início....

    a melhor maneira de decorar este trivial é pelo som....se a sílaba tónica é no "a",é sem "-", se é o no 1º "e", tem "-"...

    o word não sabe isso??

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  2. Já expliquei que escrevo directamente para o blogger 99% das vezes, muitas delas em 10 minutos ou menos, e faço apenas uma revisão rápida. Mesmo assim foi um mero lapso, como se pode reparar pela forma como uso bem a regra no resto do texto. Em todo o caso obrigado pelo seu reparo.

    Cumprimentos.

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  3. foda-se que prosa barata, banal, a armar ao cagalhão. leocardo, não tens mesmo jeito pá escrita pá.

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  4. Então deve ser parvinho; perdeu uns bons dez minutos da sua vida a ler isto :)

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  5. o quê? alérgica ao camarão mas mesmo assim come??

    ó Leocardo quase caguei a rir com estes textos, do melhor

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  6. "A-Mei"!!!!!

    pahahahhaahahahahahahahhahaahhahaahahhaahahahahahahaahhahahahahaahahhahahaahaahahahahahhhahahaahahahhaahahaahahahahhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

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  7. "Apesar disso ia-mos jantar juntos muitas vezes, sempre num silêncio confortável."
    ia-mos??
    "Os únicos momentos em que comunicávamos era quando via-mos televisão juntos;"
    via-mos?
    Leocardo, tudo muito bem, mas você para escritor não dá. Continue no funcionalismo público e a fazer a revista de imprensa...

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  8. Ó Leocardo, não ligue às criticas, eu e muitos outroas pessoas como eu, gostámos! Afinal você tem imensa gente que o visita e gosta daquilo que lê, cá pra mim, eles têm é dor de corno por não saberem escrever nada de jeito, só sabem deitar abaixo o que os outros constroem, coitados.. Continue sim!

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  9. Gostei do texto e da primeira gravura (dos rostos tapados), os que o criticam... mande-os à merda, é o que merecem!

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  10. Obrigado aos que gostaram. Quanto aos outros, as melhoras da tal "dor de corno" ;)

    Cumprimentos.

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  11. ó Leocardo, a última estória é no mínimo, um pouco racista pá!

    assim, não !

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  12. Outro que vê racismo em toda a parte.

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  13. Ah e tal é cigano ou preto,pronto é racismo!!!

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