domingo, 21 de fevereiro de 2010

Testemunhas


Recuando ao ano lectivo de 1983/84, estava eu no sexto ano (antigo 2º do ciclo preparatório), e lembro-me dum colega chamado Romão. Pelo menos era assim que eu penso que ele se chamava. O Romão era Testemunha de Jeová, e como na altura a malta sabia pouco o que isso queria dizer mas ouvia coisas más dos pais, tratava o Romão de uma forma um pouco cruel. Certa vez brincávamos aos piratas (miúdos de 11 e 12 anos não querem saber de “gajas”) e o Romão fazia de capitão. A certa altura os mais mauzinhos mandavam umas bocas, do tipo “podem as Testemunhas de Jeová ser piratas?” ou outros piropos do tipo. O Romão ficava triste, e eu ficava com pena dele. Mas não era apenas a malta que era chata com o Romão. Atendendo às “necessidades especiais do aluno em questão”, a escola encarregava-se de garantir que o Romão não participava nas actividades da escola relacionadas com o Natal (que as Testemunhas de Jeová não comemoram) ou o Carnaval. Neste último período a malta mascarava-se e tomava as ruas de assalto pregando partidas, enquanto o pobre Romão, que sonhava ser pirata, ficava em casa a estudar por ordem dos pais.

Mais tarde no secundário conheci o Aurélio, também ele Testemunha de Jeová. O Aurélio era grande, atlético, com uma aparência a fazer lembrar um daqueles gajos do heavy-metal, só lhe faltando mesmo as correntes e as t-shirts com desenhos e frases absurdas. O Aurélio tinha o terrível hábito de chatear os mais pequenos, aquilo que agora se convencionou chamar “bullying”, e não havia início do ano lectivo que não distribuísse uns sopapos pelos alunos do 7º ano. Um belo Verão o Aurélio sofreu um acidente de motorizada, perdeu muito sangue e esteve às portas da morte. A família rejeitou que o Aurélio recebesse uma transfusão de sangue, e só se salvou quase por milagre, para grande frustração dos médicos que queriam a todo o custo resgatar a vida daquele jovem de 16 anos. Depois de dois meses de convalescença, o Aurélio regressou à escola em meados de Outubro, bem disposto, saudável e cheio de vontade de afixar calduços nas cabeças dos miúdos do 7º ano. Um deles respondeu-lhe: “estiveste quase a morrer e mesmo assim não aprendeste”. Em cheio. No seu estado normal o Aurélio enchia a cara do miúdo de porrada, mas desta vez quedou-se tristinho, a chorar. O raio do miúdo afinal tinha razão.

Já na universidade, em Lisboa, tinha um colega que era Testemunha de Jeová, cujo nome agora não me recordo, e uma vez perguntei-lhe “porque é que os pais obrigam os filhos a pertencer a uma religião tão impopular”. Resposta: “Os pais querem o melhor para os filhos”. Interessante este conceito de querer “o melhor”, e obrigar a ter “o melhor”. Na altura vivia num apartamento em Arroios, e muitas vezes as Testemunhas de Jeová batiam-me à porta às 8 da manhã, depois de uma noite de perdição e vício. Perguntava quem era, e só me respondiam que vinham “da parte de Jesus Cristo”. Fosse isto mesmo verdade, abria a porta e aceitava a salvação, mas sabia que o que realmente queriam era ficar ali duas horas a fazerem-me uma lavagem cerebral e impingir-me leituras atrozes cheias de moral e tentativas patéticas de atingir uma espécie de “nova ordem social”. Dizia-lhes sempre “não estou interessado”. Jesus Cristo me compreenderia e perdoaria. Era bem mais simpático que alguns outros agregados familiares obrigados a levantar o cu da cama à 8 da manhã no Domingo. Alguns optavam por insultar os missionários, e penso que poderão ter existido casos de agressão.

Talvez fosse bom para as Testemunhas de Jeová perceber que a maioria das pessoas está contente com a sua religião ou nenhuma religião, e percebessem que para a esmagadora maioria dos portugueses o Domingo é dia de descanso. Talvez tenham mais sortes em prisões, lares de idosos, centros de recuperação de toxicodependentes ou outros locais onde impera a solidão e o degredo, mas sinceramente não tenho aqui presentes os dados do sucesso de conversões. Sei que os negócios devem-lhes correr bem, pois andam sempre impecavelmente vestidos, aparentam ser saudáveis, limpinhos e chegaram a alugar o Estádio do Restelo para fazer uma reunião nacional. Sei que não são adversos àsw novas tecnologias, e têm até um website muito bem elaborado, em 392 idiomas.

Em Macau não conheço nem tive qualquer contacto com as Testemunhas de Jeová. Sei que andam por aí, são na grande maioria filipinos, e já vi versões em português (do Brasil?) e em inglês das revistas “Sentinela” e “Despertai!”, as duas publicações da igreja. É compreensível e até salutar que se abstenham de ter relações sexuais antes do casamento, ou que não fumem nem bebam. É um pouco mais esquisito que não comemorem o Natal, o Ano Novo, o carnaval ou o seu próprio aniversário. É grave que deixem morrer alguém que precisa de uma transfusão de sangue. É inaceitável que não deixem os filhos escolher.

7 comentários:

  1. Prepare a Igreja para chegada do Anjo da Morte o fogo consumidor.

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  2. Sim senhor. Tenho sempre o número dos bombeiros na agenda telefónica.

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  3. Eh lá, que recebeu logo a visita de um gajo importante, o Martins111! Fique sabendo que o dito senhor é Missionário do Ministério da Justiça do Senhor Jesus Cristo. Não sei que país é esse, mas sendo do Ministério da Justiça ainda vai meter os tribunais atrás do Leocardo. Só não sei bem é que tribunal se vai encarregar do caso: talvez o do Santo Ofício...

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  4. Já agora, qual é o número dos bombeiros? Só para estar preparado...

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  5. Aqui neste post dá para rir bastante dos comentários...

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  6. Mas não são apenas as testemunhas de jeová que não deixam os filhos escolher.

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  7. São testemunhas de Jeová porquê? A maior parte deles nem viu o acidente...

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