sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O mal e a raíz



Mais um capítulo na análise das diferenças de cultura entre o Ocidente-Oriente no artigo desta semana do Hoje Macau. Prometo que vou continuar, e tenho o próximo capítulo no prelo. Fiquem atentos e tenham um bom fim-de-semana alargado (os que tiverem tolerância de ponto). E obrigado por escolherem o Bairro do Oriente.

Na sequência do artigo da semana passada, que fica assim como uma espécie de introdução, gostaria de voltar a abordar a temática do “choque cultural”, das diferenças em matéria de atitude e de valores que um estrangeiro pode detectar quando vem viver para um ambiente distante e em tantos aspectos diferentes daquele onde nasceu e cresceu, alguns aparentemente impossíveis de racionalizar. Mais uma vez recordo que este é um artigo de opinião baseado em meras observações e experiências pessoais, e “generalizar” é coisa que só farei quando conhecer a totalidade da população do planeta.

Posto isto vou agora contar um caso que remonta aos meus últimos anos de liceu, teria eu 17 anos, que se passou numa sala de aula. Um dos professores da minha turma fazia uma dissertação sob um tema fora do contexto da matéria que estava a leccionar, e pelo meio deixou um comentário em jeito de crítica pouco favorável a um certo empresário da região. Nada de insultuoso ou sequer sugestivo, e pode-se mesmo considerar que se tratou apenas de um “aparte”, uma coisa sem importância de maior. Contudo o meu professor não teve em consideração o facto de na plateia estarem as filhas gémeas do tal empresário, algo de que se apercebeu quando um outro colega meu lhe fez sinal. Perante esta situação reagiu com placidez e dirigiu-se às meninas com delicadeza, esperando que entendessem que se tratava de uma mera opinião pessoal, o que elas aceitaram sem qualquer problema, e nem foi necessário qualquer pedido de desculpas, dando-se o assunto por encerrado.

Exposto o caso, vamos agora transportá-lo para a realidade local. Uma vez que o comentário do professor não incomodou as filhas do empresário, e o assunto morra entre as quatro paredes daquela sala, fica aí sepultado para sempre. Caso se dê um transbordo, a situação pode complicar-se para o professor. O tal empresário pode ficar a saber por uma das filhas, ambas, ou por terceiros; aqui existe quase sempre um espertinho que fará chegar o comentário aos ouvidos do interessado, julgando desta forma estar a prestar-lhe um bom serviço, esperando cair nas suas boas graças. O empresário pode reagir com indiferença, e aí nada acontece, ou ficar furioso, exercendo a sua influência directa ou indirecta junto da direcção da escola para fazer o professor pagar pelo desaforo. Se for daqueles que se está nas tintas para a imagem, pode fazê-lo abertamente e sem dar quaisquer satisfações, e se o comentário justificar procedimento judicial, melhor ainda, uma vez que tem a lei do seu lado. Se não gostar de exposição mediática ou passar uma imagem de pessoa democrática e tolerante junto da opinião pública, trata do assunto por intermediários, ou em alternativa “engole a seco”, ficando atento no futuro aos movimentos do autor da provocação.

No caso do comentário passar pela rede de intermediários antes de chegar ao destinatário, tudo depende de quantas curvas tem o labirinto e quem nele se encontra – fica-se entregue à sorte. Pode acontecer ter lá um amigo que consiga abafar o caso, ou resolvê-lo de forma diplomática, mas o mais provável é que algum manga-de-alpaca interfira, e resolva o caso “da maneira mais eficaz”, isto é, mandar terminar ou simplesmente não renovar o contrato ao professor atrevido. Esta decisão é feita de forma unilateral, ao ponto de não ser sequer necessário deixar o empresário saber que foi feito um comentário pouco abonatório a seu respeito. Se é ou não isso que ele queria pouco importa, são as regras do jogo. Hoje um comentário menos grave, amanhã outro mais audaz, qualquer dia o homicídio – é esta a cadeia de pensamento, o melhor é cortar o mal pela raiz, e se possível lançar sal na terra. Tenta-se fazer tudo discretamente e dentro da legalidade. Testemunhas? Testemunhas são pessoas, isso arranja-se facilmente. Caiu na imprensa? No dia seguinte há outra notícia, esquecem-se daquela. Não pesam aqui factores como a opinião pública, a imagem das instituições, ou a situação familiar ou financeira da “vítima”. É um pouco ao estilo da máfia italiana: nada de pessoal, “strictly business”.

Tudo isto depende do vínculo do professor e do poder do empresário, mas caso este último ter interesses na esfera da disciplina que o professor lecciona, é bem possível que mais nenhuma escola da região venha a contratá-lo. A reacção da “vítima” é variável, e pode ser do mais incrédulo dos espantos à revolta feroz, conforme o nível da injustiça praticada, ou da capacidade de assimilação de ranídeos de cada um. Caso o professor seja um fala-barato, que debita sentenças a torto e a direito, falando em nome dos oprimidos e por estes encorajado, fica mais difícil saber de onde veio o “tiro”, mas se a razão e o atirador estiverem identificados, vai ser tudo uma questão de como aceitar o golpe e de como proceder a partir daí. Uma coisa é certa: não contará com muitos apoios além dos familiares e amigos mais chegados. Caso apareça um apoio inesperado, convém desconfiar, pois é possível que venha da parte de inimigos do agressor, e caso aceite colaborar, arrisca-se a ser manipulado e no fim sentir-se usado sem disso retirar qualquer contrapartida.

E como convivem os locais com este mecanismo que os estrangeiros podem considerar atroz, mas que alguns eventualmente acabam por se adaptar e até usar em seu benefício? Convivem bem, pois nasceram e cresceram conscientes da sua existência, o que explica muitas atitudes que pelos nossos padrões são tidas como “excêntricas”. Evitam abordar alguns assuntos na presença de estranhos, desconfiam de certas perguntas, ainda que aparentemente inofensivas, ou intenções, mesmo que boas, quando vindas de pessoas que conhecem mal, e exaltam-se quando escutam o seu nome em conversa alheia; isto não é paranóia, ou mania da perseguição, e explica-se muito facilmente: mesmo que não tenham qualquer relação com determinado caso, a simples menção do seu nome faz com que passem a ter. Fica “anexado” a ele, quer queiram, quer não. Esta curiosa rede de enganos tem como em tudo o seu lado cómico, surrealista até; certa vez vi uma conhecida minha divulgar uma notícia relativa a si numa rede social, e mais tarde comentei esse facto com ela pessoalmente. Primeiro negou, e só confirmou depois de eu a recordar que a tinha tornado pública. Se acham tudo isto um tanto ou quanto pidesco, permitam-me que vos diga que estão enganados – nunca existiu por aqui qualquer PIDE. E para que haveria de existir, perante as evidências?

A Ilha da Montanha pariu um debate



Às vezes fico a pensar o que seria se os bravos heróis que levaram a cabo a Revolução Francesa tivessem feito pausas para o almoço e para o lanche. Depois fico mais ou menos grato pelo regime totalitarista que viriam eventualmente a derrubar, que providenciou que não houvesse comida para o efeito, apesar dos broches da infanta Maria Antonieta, que dizem que eram de perder a cabeça. Os brioches, perdão, os brioches. Pois aqui em Macau onde comida é coisa que não falta e as revoluções são convocadas pelo Facebook, um Röhm-Putsch, ou "Noite das Facas Longas" pode ser facilmente convertida num piquenique. E por falar em facas, aquelas que Jason Chao e a rapaziada do Novo Macau andaram a afiar desde o dia 20, afinal são para um ensopado de borrego que a malta vai cozinhar este fim-de-semana prolongado para comemorar os finados. Quem pensou que a anunciada manifestação marcada para esta tarde no campus da Ilha da Montanha, em nome do afastamento do professor Bill Chou e um alegado caso de assédio sexual de um professor a uma aluna ia servir para destapar a tampa da cabeça calva do reitor Zhao Wei para ver se encontravam ali o diamante da liberdade académica e do respeito pela condição feminina, enganou-se. O que tivemos foi isto:



Depois de uma semana escaldante na UMAC, parece que os ânimos arrefeceram lá para segunda-feira, quando o presidente da Associação Novo Macau, Sulu Sou (ele que me desculpe, mas ainda tem muito que aprender na arte de apagar pistas ;) ) levantou esta página do Facebook a anunciar um evento que não seria tão "sumarento" como este anunciado por Sut Kam Leng uma semana antes. Uma semana foi também o tempo decorrido entre este artigo do Ponto Final, onde Jason Chao disse recear que “as autoridades façam algo para impedir a actividade”, acrescentando que "levaria o caso para tribunal", caso a manifestação não fosse aprovada. Nos dias que se seguiram foi uma autêntica "caça ao Zhao", com a revista Macau Concealers como batedor, mas ontem, dia 30, Jason Chao veio anunciar novamente no Ponto Final que afinal "só queriam conversar". Aparentemente as negociações estiveram ao nível da crise dos mísseis de Cuba em 1962, e a directora do Departamento de Comunicação da UMAC, Agnes Lam, participou também do "debate" - noutras palavras, foi fazer de "baby sitter". Quem disse que uma revolução não é um jantar de gala? Ah sim, foi Mao. Também ele se engana, aparentemente.



Mas quem disse que era um protesto? Bem, ouvimos Jason Chao a anunciá-lo a semana passada no Telejornal. E agora disse que era um debate, é isso? Mais ou menos, é "uma Assembleia", aparentemente foi um "erro de tradução". É que este 集會 (literalmente poder+grupo), presente quer no manifesto da putativa manifestação, quer depois no diluído debate tem um significado ambíguo; pode tanto querer dizer "assembleia", "reunião" ou "encontro", como pode ter o sentido de "comício" ou "manifestação", se bem que para estes a expressão mais correcta é 團結 - o primeiro caracter significa "grupo", e segundo "nó".Nós é que nos deixámos enganar pelos comentários inflamados no Facebook, assinados por elementos da brigada do guarda-chuva amarelo, ou pelos média, como este artigo do sítio InMedia Hong Kong, onde se podem ver documentação relativa ao processo que levou ao despedimento de Bill Chou, ou ainda este do All About Macau Media, do dia 22, que anuncia ondas de choque e terror na UMAC devido aos alegados casos de assédio sexual.



É por demais evidente que se deu uma mudança de 180º na estratégia do Novo Macau. A revista Macau Concealers passou uma semana a "cuspir fogo" em direcção à UMAC e ao seu reitor, e o director da publicação satirista Jason Chao moderou bastante o discurso durante estes últimos quatro dias. Não se sabe se foi por pressão das autoridades, um "furo" no plano, ou simplesmente um acordo de bastidores com a reitoria da UMAC, e aqui volto a fazer menção de Agnes Lam, que poderá ter uma grande parte a ver com esta transformação. Jason Chao pode artirar-nos areia para os olhos, ou demonstrar pouca coerência, mas está no seu território - é isso que todos os políticos fazem, no fundo. Não tem é de meter os pés pelas mãos tantas vezes: negou que sabia do protesto durante a cerimónia de graduação em Junho último no antigo Campus da UMAC, e desconhecia a autora do polémico cartaz, quando na verdade Tou Weng Kei é membro do Novo Macau pelo menos desde há um ano e meio e namorada de Choi Chi Chou, editor da Concealers e repórtes agredido na cerimónia; o alegado caso de assédio sexual ganhou mediatismo logo após a eleição para a Associação de Estudantes, saindo vencedora a lista 2, que levantou o problema que Jason Chao disse "aceitar apoiar", como se desconhecesse os elementos dessa lista, todos elementos do grupo dos pró-democratas, e agora isto. Parecem estar bem organizados, vão ganhando terreno, mas falta alguma experiência. Só isso.

Deixa a corneta, pateta!



Sexta-feira, fim-de-semana prolongado pela frente, tempo ameno e disposição dentro da média; fosse também dia de pagamento e seria o mais perto do céu que se podia ficar. O horário habitual da entrada é às 10 horas, com excepção do último dia da semana, quando se entra 15 minutos mais tarde, e esse dia foi, portanto, hoje. Quinze minutos a mais, pretexto para que alguns fiquem mais um pouco na cama, enquanto outros aproveitam para tratar de assuntos particulares, uma vez que a maioria dos serviços já se encontrava a funcionar desde as 9, e para mim são mais quinze minutos em casa a actualizar as leituras ou a tratar de outra contabilidade diversa. O problema com esta confortável almofada temporal é que acabamos por procrastinar a saida de casa, e nem por acaso foi exactamente o que me aconteceu. Nada de grave, mais cinco minutos, menos cinco minutos, mas como que em honra do santo padroeiro dos pontuais - seja lá qual for - decidi meter a caixa das mudanças em marcha rápida, esperando assim fazer em 10 minutos o que faço normalmente em 15.

Bem sei que é desagradável meter-me neste guisado quando tinha todo o tempo do mundo para fazer o caminho descontraídamente, podendo até deter-me a contemplar alguma das obras da mãe natureza, como a vinda ao mundo de um novo caracol, ou o desabrochar de algum lilás ou outra porra qualquer que ninguém imagina que possa encontrar na distância entre o Bairro de S. Lourenço e a Rua do Campo, e não estamos propriamente nos Alpes suíços para que possa abrir os braços em sinal de gratidão com o criador, desatando a cantarolar sobre os montes ganharem vida com o som da música. Em primeiro lugar, quais montes? E qualquer ser inanimado ou não ia-se sentir tudo menos vivo depois de ouvir a "música" produzida pelas minhas cordas vocais - chamar-lhes "cordas" é um insulto aos instrumentos de corda; eu chamaria-lhes antes "atacadores de sapato vocais".

Quantificada que está a vontade de sair de casa para ir a luta, mesmo com três dias de folga no horizonte, ou seja, nenhuma, convém aqui lembrar que andar na rua em Macau às dez da manhã deixou de ser o que era desde...nem me lembro? Suponho que desde os tempos da Revolução Cultural, quando as multidões se concentravam num determinado ponto, não para fazer compras, mas antes para condenar os hábitos consumistas como decadentes e contra-revolucionários, e para ilustrar esse ponto partiam uma ou duas montras juntando a isso o respectivo saquezito - coisa sem importância, apenas para demonstrar que com o proletariado ninguém brinca. Ponto assente, em Macau deixou de existir o que nas outras cidades se designa por "hora de ponta", e qualquer hora passou a ser "hora que não tem ponta por onde se pegue". Assim sendo, lá fui eu galgando o cinzento asfalto ao ritmo da marcha olímpica (refiro-me à velocidade, não ao jeito cómico com que os atletas marcham, dando a entender que seguram aflitos uma semana inteira de alimentos não digeridos).

Empurrão aqui, encontrão ali, sempre com atenção redobrada devido a esses anjinhos que andam na rua a mandar mensagens no telemóvel, que pela urgência com que o fazem deve ser algo de importância decisiva para economia de Macau, que Deus os abençoe, e aos que ficam especados a contemplar o infinito (devem ser turistas a querer certificar que o céu em Macau é igual ao dos outros sítios), ia fazendo um tempo catita: mais ou menos dez minutos depois de sair de casa, estava no fim da Avenida da Praia Grande, junto do cruzamento com a Rua do Campo, onde existem duas passagens para peões até à Biblioteca da Associação Comercial de Macau. Na primeira o sinal estava verde; porreiro pá! No segundo estava vermelho, mas com um ou dois minutos até ao quarto de hora depois das dez, olhei para a esquerda, e tudo o que vi foi uma motorizada, e a uma distância considerável. Calculei as probabilidades, e uma corridazinha deixava-me do outro lado em dois ou três segundos, enquanto o veículo necessitaria de estar a circular a pelo menos 200 km/h para entrar em ponto de colisão. Valia a pena arriscar.

Mas vejam lá a minha sorte, que imaginando estar apenas a usar o senso-comum, estava na verdade a cometer um crime gravíssimo, uma infração rodoviária, para mais agravada com um crime contra a honra! Passo a explicar: no momento em que ponho o meu pézinho, devagar devagarinho para chegar ao outro lado da estrada, o zeloso motociclista começa a buzinar feito um maníaco. Não entendi bem porquê, dada a impossibilidade material de poder atingir, ou de sequer a minha pequena batota obrigá-lo a abrandar. Assumindo que se tratava de mais um chico-esperto, fiz-lhe um manguito enquanto chegava ao outro lado do passeio - atitude perfeitamente legítima nestas circunstâncias, e tem o mesmo valor do símbolo da paz para um "hippie": o gajo entende. Mas não é para meu espanto quando o cromo passa por mim e oiço vindo da sua matraca mongolóide a conjugação da terceira pessoa do singular do imperativo do verbo que entre o povo substitui normalmente o acto físico do amor. Sabem como é, aquela palavra que é semelhante a "foram-se". Além do facto de se ter pronunciado (mal e porcamente) na língua de Camões, não o consegui identificar, mas penso que era este indivíduo:



Isso mesmo, o Dick Dastardly! Neste caso mais "Dick" (pénis) que outra coisa. Não entendo onde é que a minha vontade em ser pontual interfere com a cidadania deste indivíduo, os seus sonhos e ambições, ou como pode a minha vontade de manter um registo de pontualidade limpo ser um obstáculo às suas realizações. Talvez tivesse receio que eu me atrevessasse no caminho, batesse em mim e lá iam os melões e os garrafões de tintol pró caralho. Quais melões e garrafões de tintol, perguntam vocês? Ele vinha a trazer isso na mota? Sei lá, não sou rabo, portanto não quis ver o focinho do tipo com a esperança que fosse o meu príncipe encantado. Pelo que me deu a entender à distância que o vi, não trazia melões, vinho, ou qualquer sinistrado a esvair-se em sangue, ou nada que justificasse a sinfonia de buzina. Se calhar tinha comprado a corneta ontem, e queria testá-la. Se me estiver a ler, deixe-me perguntar isto: tinham lá outro som além desse de "pato marreco"?

Agora devem estar alguns leitores mais "jurisprudentes" a pensar: "Ó Leocardo, deixa-te de merdas, ranhoso. Atravessaste no vermelho e ainda fizeste um manguito ao homem, e estás para aí armado em vítima?". Deixem-me dizer em primeiro lugar que não estou armado em nada, e não houve ali nenhuma "vítima", a não ser talvez os tímpanos das pessoas que iam a passar, que ficaram sem entender qual era a aflição do motoqueiro-justiceiro, indignado com a minha infração seguido de atentado à honra - crime com a agravante de outro crime, que o Mascarilha, ou neste caso "Capacetilha" das duas rodas fez questão de não deixar passar em claro. Deve ter tirado a carta recentemente, e se calhar das aulas de código esta é a única lição de que ainda se recorda: vermelho é para parar.

É que se realmente o abelhudo sabe falar português, gostaria de trocar duas palavrinhas com ele. E não me vou armar em marialva e dizer que lhe dava uns cascudos, pois nem o meu indicador em riste lhe furou um dos olhos de cima, nem a sua agressão verbal dirigida a sabe-se-lá quem (vai-te f... seria dirigido à minha pessoa, de outra forma...) me provocou fracturas no cabelo; e isso de andar à bulha é para as crianças. O que eu gostaria de lhe perguntar é que modelo de virtudes ele pensa que é para questionar daquele jeito uma decisão pessoal que mesmo não sendo legal não resultou de qualquer prejuízo para ninguém, e passaria completamente despercebida não fosse pelo seu transtorno pré-menstrual masculino. Aproveitava já agora para lhe mostrar o meu documento de identificação que prova que sou maior e vacinado (o boletim de vacinas é que não trago comigo habitualmente) e explicar-lhe muito devagarinho que apesar de se poder fazer uma analogia entre os faróis dos veículos a motor e os olhos da cara, não é bem a mesma coisa: eu sei o que faço e vejo o que estou a fazer.

Para concluir, gostava de deixar claro que não tenho por hábito atravessar ilegalmente a estrada, mas de cada vez que o faço não fico no meio da mesma a atrapalhar a vida a ninguém. Já o mesmo não se pode dizer dos motociclos estacionados no passeio, que obrigam os peões contornar o espaço que lhes é garantido por direito e é público, sendo por vezes obrigados a circular pela beira da estrada, onde amiúde encontram os camaradas deste nosso amigo que não se inibem de apitar para "penalty" assinalando a infração. Não mantenho sequer um registo de quantas vezes atravessei com o sinal vermelho para peões, enquanto o bípede de biciclo deve já ter estacionado o mesmo ilegalmente dúzias de vezes, consciente da sua falta mas exorcizando a culpa para o Governo, que tem a obrigação de lhe providenciar um espaço para enfiar o utilitário, e já agora limpar-lhe a boquinha por onde debita os foram-se com que desabafa cada vez que se arma em herói. Aqui a diferença é que se pagássemos por cada infração que cometemos os dois, eu continuaria alegremente a calcar o asfalto, e o menino andava de transporte público de sovaco ao léu com o resto do povo. Olé, e tenho dito.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Dinamizar - 4º episódio: Assédio Sexual

Camarada Arnaldo Matos, pá!



Tenho andado a fazer um "search" nos ficheiros mais antigos da minha memória na esperança de encontrar personagens que me tenham de algum modo influenciado na pré-adolescência, ou antes disso, e de alguma forma contribuído para a formação da minha personalidade. Isto explicaria muita coisa, de facto. Um desses personagens é o camarada Arnaldo Matos, pá! Peço já desculpa pelo facto de me referir ao camarada Arnaldo Matos, pá! deste jeito, sempre como "camarada" e a interjeição "pá!" no fim, pois era (e ainda é) assim que toda a gente se refere ao camarada Arnaldo Matos, pá! O camarada Arnaldo Matos, pá! foi um dos fundadores do PCTP/MRPP, um partido de extrema-esquerda que hoje é liderado pelo camarada Garcia Pereira, pá! e onde as fileiras contaram com nomes como Durão Barroso, Diana Andriga, Maria José Morgado, Ana Gomes ou Fernando Rosas, que entretanto abandonaram o ideal revolucionário e ficaram aburguesados, pá! P... que os pariu, mazé!



A primeira vez que sofri um choque político-ideológico foi com o camarada Arnaldo Matos, pá! Pode-se mesmo dizer que foi o camarada Arnaldo Matos, pá! quem rompeu o meu hímen ideológico, deixando a sua semente marxista-leninista-maoista-engelista no meu ventre pequeno-burguês, e conforme os ensinamentos deixados pelo falo retórico do camarada Arnaldo Matos, pá! através da minha pristina vulva proletária, fui fazer um aborto. Porquê? Porque era ilegal, camaradas! Se não concordam, o camarada Arnaldo Matos, pá! manda-vos à merda, pá! que naquele tempo o camarada Arnaldo Matos, pá! quebrava não só os hímens dos reacionários-juniores como eu, mas todas as convenções implantadas por essa corja corporativista, pá, dizendo "merda" e mandando toda a gente para o c*&%lho antes dessas expressões terem sido inventadas.



Após uma pequena pesquisa na net, descobri que o camarada Arnaldo Matos, pá! "retirou-se da luta política em 1982", isto porque segundo ele, "a contra-revolução triunfou". F***-se, pá! destesto quando essa merda acontece, c*&%lho. Anda praí um gajo a tentar educar a p**a da classe operária e os c***ões dos camponeses para depois virem esses filhos da p... dos contra-revolucionários estragar tudo, os sacanas. No entanto tenho quase a certeza que foi durante as eleições legislativas de 1985 que vi pela primeira vez o camarada Arnaldo Matos, pá!, no tempo de antena do PCTP/MRPP. Nesse tempo tinha eu 10 anos e não entendia nada de política (e ainda não entendo, nem eu nem ninguém) e ao ouvir aquele tipo de bigode a dizer cobras e lagartos de tudo e de todos ao mesmo tempo que debitava caganitas de retórica esquerdista da mais rançosa, a cheirar a chulé e cheia de pelos da barbicha do Lenine, fazia todo o sentido. Pensei para mim mesmo: "este gajo vai ganhar, com toda a certeza". Mas ganhou o Cavaco. É mais ou menos o mesmo, mas ao contrário.



O camarada Arnaldo Matos, pá! fundou o MRPP ainda nem estávamos nos anos 70. Porquê? Porque sim, c*&%lho, e também porque esses f... da p... revisionistas do PC eram uns betinhos, uns meninos de coro, uns anjinhos com um bigode do Estaline. Está lindo, está. O camarada Arnaldo Matos, pá! foi desde jovem para a clandestinidade, pá! Quando a senhora que pariu o camarada Arnaldo Matos, pá! ("mãe" e "pai" são docinhos reacionários, sujas fufas conformitas) lhe perguntou o que queria ser quando era pequenino, o camarada Arnaldo Matos, pá! respondeu: "clandestino, f...-se!". Na escola a flausina fascizóide que tentou enganar o camarada Arnaldo Matos, pá! com balelas sobre o céu e os c@£!es, ouviu das boas, pá!: "Vai tu, p***éfia salazarenta! O camarada Arnaldo Matos, pá! vai prá clandestinidade, c*%&lho!"



E estavam à espera do quê, carneirada sifilenta? Enquanto se entretiam com o vosso Molotov de açúcar Moscovado, a reaça prendeu o camarada Arnaldo Matos, pá! Suas matrioskas rotas, deixaram camarada Arnaldo Matos, pá! fazer coceguinhas nesse vosso clitoris seguidista com a sua glande revolucionária, e depois foram atrás da trufa lazuda do Cunhal, não foi, suas ovelhinhas chocas. Mas o povo libertou o camarada Arnaldo Matos, pá! O povo está com o camarada Arnaldo Matos, pá!



Chupem na pila do povo, suas comilonas de pilinha moscovita, que o camarada Arnaldo Matos, pá! conhece bem e evita. O camarada Arnaldo Matos, pá! é que é o grande dirigente e educador da classe operária, pá! O camarada Arnaldo Matos, pá! é o líder das massas, f...-se! Estavam lá todas no comício da Amadora, pá. O penne, o fusilli, o linguini e o tagliatelli mais a p... que os pariu, c*&%lho! Estão a ver lá em cima, onde se lê "camardas", o camarada Arnaldo Matos, pá! está a saudar os camaradas e a mandar os revisionistas à merda, pá!



Agora querem ver o creme que o Kremlin deixou nas vossas trompas de falópio revisionistas e decadentes, suas pachachas seminovas? O camarada Arnaldo Matos, pá! explica-vos nesta intervenção que fez durante as jornadas
de economia Marxista promovidas pela Revista Popular “Tempo e o Modo”, pá!


Os social-imperialistas revisionistas soviéticos dedicam-se a toda a espécie
de especulações no mercado internacional e dominam, através de uma
série de pactos económicos e militares, um conjunto de países do mundo, à
custa dos quais vão crescentemente vivendo e entesourando quanto
podem.

Eles dedicam-se a toda a espécie de facturas. Compram, por exemplo, o
petróleo do Médio Oriente a preço baixo e depois vendem-no na Europa ao
preço corrente no mercado internacional, auferindo com isso profundos
lucros.

Obrigam os países que dominam a comprar-lhes os principais produtos
acabados de que necessitam e, ao mesmo tempo, a fazerem sacrifícios
para investir os seus capitais no desenvolvimento de sectores importantes
da União Soviética, como é o caso da Sibéria.

E não se viu, suas vendedoras do povo, suas arrendatárias da c**a da classe operária? Foi-se a ver e aqueles fantoches revisionistas estavam todos a nadar em nota, pá, em banheiras de ouro nas termas da Sibéria, cum raio!



Ah suas porquistas do Bolshoi, nem sabem o que perderam, pá! O camarada Arnaldo Matos, pá! queria trazer o maoismo, porra! O camarada Mao é que é bom, suas pêgas russas. Comam merda, mas é, pá! Eduquem-se com o camarada Arnaldo Matos, pá! e leiam as suas obras aqui na Biblioteca Vermelha do sítio do PCTP/MRPP, c*&%lho. Vão-se f...r! Viva o camarada Arnaldo Matos, pá!



PS, quer dizer, MRPP, pá!:

Arnaldo Matos nasceu a 24 de Fevereiro de 1939, em Stª Cruz, na Madeira, é advogado e tem actualmente 75 anos. O facto de ele ainda estar vivo faz-me sentir...mais novo ☺

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O óleo e a máquina



Quando o presidente Xi Jingping anunciou o combate à corrupção a prioridade do seu Governo quando tomou posse em 2012, soaram os alarmes em várias facções do Partido Comunista chinês. Entre palmas mais ou menos sinceras, deveriam haver os que pensavam "bolas, estou lixado", enquanto outros diziam com os seus botões "boa, agora é que aquele gajo se lixou". Tem sido um pouco assim, nessa "transparência opaca" que se tem situado o partido único na China, onde já nem vale a pena negar a existência de cisões internas. Todos os partidos têm cisões, e depois? Aqui é diferente, pois a pedra basilar do PC chinês é, ou foi, a sua unidade. Como em quase tudo o que fazem, os chineses são radicais: ou todos concordam, ou ninguém se entende, e quanto mais perdura uma situação, mais abrupta é a mudança para o seu oposto. O problema é essa droga do poder, a única pior que o ópio, e que se torna ainda mais perigosa pelo facto de apenas poder ser consumida em exclusivo; o poder é uno, indivisível, e mesmo que se diga que está repartido por dez, vinte ou mil, haverá sempre aquele se considera a trave-mestra do poder.

Tem sido esse o problema de muitas revoluções e golpes de estado em todo em mundo. O ideal é que os militares, os únicos capazes de decidir a queda de um regime pela força, tomem o poder, e de seguida chamem a sociedade civil a convocar eleições, restituindo assim a democracia - isto nos exemplos em que a mudança se dá da tirania para a democracia. Em muitos casos dá-se o inesperado: o poder cai nas mãos do exército, e o líder da revolução considera-o um bem demasiado precioso de o deixar nas mãos de outro ou outros, enfim, os que ao contrário dele não arriscaram a pele para mudar o que estava mal. O pretexto para se agarrar ao poder pode ser qualquer um, desde a fragilidade do sistema, um ataque iminente da parte do inimigo, uma população mal preparada para decidir os destinos da nação, mil e uma coisas. E assim vai-se segurando o poder, adiando eternamente a sua partilha, criando cada vez mais insatisfação, exercendo cada vez mais opressão, fomentando cada vez mais a corrupção.

Quando cheguei a Macau tinha 18 anos, o que vale por dizer que não sabia nada da vida. Nasci meses depois da Revolução dos Cravos, portanto cresci em liberdade e tenho uma memória muito vaga dos tempos de indefinição democrática que o nosso país atravessou até à entrada na União Europeia, então chamada de CEE. Para os portugueses aquilo era como se tivessemos atingido um "karma" civilizacional, o supra-sumo da modernidade. Para mim o terceiro mundo era qualquer coisa menos aquilo, e quando ouvia falar de "corrupção" imaginava tipos de cartola e charuto sentados numa poltrona com um gráfico dos lucros subir pendurado na parede, sempre em curva ascendente, enquanto pela janela se viam os bairros de lata para onde o dinheiro que o gato gordo açambarcou deviam ter ido. Nesses bairros viviam viúvas e orfãos, que passavam o dia a pedir esmola na beira da estrada com o corpo coberto por trapos, e de vez em quando passava perto deles um Bentley, por cima de uma poça de lama que os deixava ensopados da cabeça aos pés, e lá dentro vinha o ricaço, a rir-se com gosto, sempre com o charuto entre os dentes. Sim, penso que já fui comunista. Mas depois passou-me, não se preocupem.

Quando somos jovens e idealistas há coisas que nos causam espécie e pensamos que não conseguiremos ser felizes enquanto não acabarem com elas: a pobreza, a fome, e lá está, a corrupção. Mais tarde aprendemos que estas coisas existem porque sem elas não conseguimos realizar a nossa própria felicidade; como vamos saber se somos realmente felizes sem um infeliz qualquer ao nosso lado para servir de termo comparativo? É por isso que o comunismo não resulta: como pode ser que todos tenham exactamente o mesmo? É aí que chegamos à conclusão que o mundo é uma merda, que os idealistas querem um Mercedes para se calarem, e os outros que não querem um Mercedes querem outra coisa qualquer, tipo...gajas, é isso. Os americanos sorriem-nos e dizem com aquela cara de idiotas: "é o liberalismo, amiguinho; a lei do mais forte". É isso! O mundo é uma metade a tentar comer a outra, e a metade mais pequena é maior que a metade maior - chama-se "mercados". Aprendi a lição, e agora cada vez que dou com um jovem de 18 anos como eu fui um dia a dizer-me que quer "mudar o mundo", digo-lhe com ternura enquanto lhe sorrio cândido: "espera mais dez anos, depois é um filho da p...como toda a gente". E isto era sobre o quê, mesmo? Ah sim, corrupção. E a China.

Pois, eu cheguei cá e falava-se muito de corrupção. Discutia-se a corrupção. Existia o CCAC - e era uma coisa mais ou menos recente, ainda estavam a decorar o escritório. Assistia a um vaivém de dinheiro frenético, cem patacas para aqui, cem patacas para ali, envelopes com duas ou três notas de cem, às vezes uma de quinhentos. Era raro gastar uma nota de mil, que para mim naquele tempo ainda eram vinte contos. Numa dessas passagens de testemunho vi um envelope vermelho com os desenhos sugestivos, de dois meninos reconchudos em cima de um pêssego maior que eles, e recordo de me explicarem que isto era um tipo de envelopes que davam aos noivos no casamento, conhecidos por "lai-si". Perguntei ao tipo se "tinha casado", e ele soltou uma gargalhada e disse-me que "não". Fiquei sem entender, até que alguém me explicou que eram "luvas". "Luvas?!?! Que disparate!", exclamei eu, "sei muito bem o que são luvas". Chegou o Natal, o primeiro Natal em Macau, e chegavam às repartições cestas e cestas cheias de doces, frutos secos, vinho, whiskey, mil e uma coisas. Diziam-me para "tirar o que eu quisesse", o mesmo que diziam a todos. Escolhia sempre aqueles bonbons com recheio de licor, que em Portugal era algo tido como um produto de luxo, que não era para todas as bolsas. A naturalidade com que aquilo se fazia deixava-me a pensar: "será que me enganei, e o Pai Natal existe mesmo?".

Entretanto fui à China pela primeira vez. Atravessei as Portas do Cerco e lá estava eu, no gigante comunista, o país mais populoso do mundo. Era apenas Gongbei, o distrito de Zhuhai mais próximo da fronteira com Macau, mas era como se tivesse atravessado um portal para outra dimensão. Como era tudo diferente, e a primeira coisa que se senti foi que precisava de rever aquela noção de "paraíso socialista", que não era ali com toda a certeza - devia ser mesmo em Cuba, afinal. Caminhos de gravilha, crianças descalças, lojas que vendiam aparelhagens estereo que deixavam aos berros, um cenário meio caótico, abaixo das minhas piores expectativas (era um optimista, note-se). Reparei sobretudo nas autoridades, e tirei uma foto com dois soldados que estavam sentados numa loja de cigarros. Achei curiosos os seus uniformes, que pareciam vários números acima dos seus. Almoçámos num restaurante já em Zhuhai, a vinte minutos de autocarro de Gongbei, no primeiro andar de uma espécie de loja de aparelhos electrónicos que vendiam uns tais "CDs piratas". A nossa amiga chinesa, que serviu de cicerone, perguntou-me se eu queria "filme pirata". Respondi-lhe que não era o meu género, não gostei do "Hook" e ainda estávamos a uns dez anos da série "Piratas das Caraíbas".

No restaurante notei o esforço para que se desse um aspecto distinto, e tirando o papel de parede vermelho descolhado aqui e ali ou o uniforme amarrotado dos empregados, não tinha assim tão mau aspecto. A comida estava dentro das expectativas, e reparei nas empregadas de mesa, fato escuro, cabelo apanhado, maquilhagem perfeita, tudo a fazer lembrar o estereótipo das chinesas dos filmes que via no Ocidente. No entanto notei as meias que usavam, que destoavam um pouco do "boneco". A amiga chinesa riu-se e disse-me então que aquelas meias "eram do trabalho", e custavam "uma pataca". Disse-me ainda que aquelas meninas ganhavam "entre 100 e 200 patacas por mês". Que diabo, mais do que isso gastava eu numa noite em Macau, e sem dar por isso. "Como é um país comunista têm tudo o que precisam, para quê ter dinheiro", pensei eu ingenuamente. Poucos anos mais tarde soube que o então presidente Jiang Zhemin auferia um vencimento mensal de 2500 renminbis. "Espantoso, ganho pelo menos seis vezes mais que o presidente do país mais populoso do mundo", seria o que tinha pensado, se já não fosse tão ingénuo.

Sempre tive uma noção de corrupção muito própria, muito séria. Corrupção era qualquer coisa em grande, um crime pior que o homicídio. O empresário que suborna outro para ganhar a licença da construção de uma escola, enquanto entre as empresas excluídas do concurso há uma que vai à falência, deixando milhares no desemprego; o empreiteiro que "emenda" do orçamento de uma ponte, usando materiais de pobre qualidade e guardando na diferença no bolso, e um dia a ponte cai matando centenas de automobilistas, que caem com os seus veículo dento do rio; o gerente de um supermercado que muda as datas da validade dos produtos, e vão parar dúzias de criancinhas ao hospital. Entretanto via os envelopes a passar, as pontes não caíam por causa disso, e deixei de pensar na peça de vestuário que agasalha as mãos quando oiço falar de "luvas". O tal CCAC anunciou um dia que só são permitidas gratificações "até 499 patacas", e mais do que isso seria "corrupção". Interessante. a importância de uma pataca. Fui ver a quanto andavam os bonbons de licor, e suspirei de alívio que poderia levar até duas caixas, caso me fosse dada a oportunidade.

E fui voltando à China mais amiúde, onde aprendi que as declarações de rendimentos devem ser a versão chinesa do teatro de revista - toda a gente ganha menos que aquilo que eu pagava à minha empregada. Uma garrafa de Möet & Chandon custava um orçamento familiar. Cada vez me convencia menos que se dava alguma coisa a alguém à luz do socialismo vigente, e as folhas de vencimento eram apenas isso: folhas. Os restaurantes estavam cheios, bem como os centros comerciais, e a fazer fé nos rendimentos declarados, aquilo era coisa para deixar ali um salário numa tarde de compras. Mais recentemente conheci um tipo que me dizia que "têm muita sorte", vocês em Macau; eu sou juíz e ganho 5 mil renminbis". E depois fomos jantar no seu Audi novo. Podia ter-lhe perguntado se comprou a "bomba" com um plano de pagamento em 1200 prestações suaves, mas para quê estragar o que está bem feito? Eu não me queixo. A realidade é que num país onde vigora uma Constituição de base marxista-leninista, é difícil declarar valores que sejam tão díspares - vai contra a ideologia socialista, mesmo que na Conferência Consultiva do Povo Chinês estejam sentados milionários com fatos Armani, e não operários e camponeses, como Mao um dia idealizou.

E a corrupção, como é? "Que palavra tão feia, menino" - explicaram-me finalmente um dia - "aquilo é o óleo que faz andar a máquina". Óleo? Máquina? Será que está tudo louco? Ora essa, então os camaradas trabalham no Governo e ganham duas ou três mil patacas por mês? Como é que vivem com esse dinheiro? Claro que não vivem., os camaradas precisam de "óleo" para fazer a máquina andar. E então quer dizer que...nada disso, "oferecem" o óleo, e este é costume tão antigo que se perde na memória do tempo. É uma troca, um acordo de cavalheiros, e se o rapaz recusar, não está a dar "face" ao requisitante. Interessante, isto do óleo. Talvez o CCAC ganhasse mais em ir para a China aprender qualquer coisa sobre "corrupção" e "óleo". Aqui andam a perder tempo a apanhar funcionários que enganam no registo de assiduidade, e espertalhões que fazem moscambilha com cupões de gasolina. Ninharias. É a isso que chamam corrupção? E houve tempos em que cantaram de galo, pois após uma "pesca grossa" que apanharam vai para sete anos, têm andado muito maneirinhos.

Mas e o combate à corrupção que Xi Jingping no seu plano para a presidência da China? Agora o Procurador Supremo do Tribunal Popular garantiu protecção legal a quem denuncie casos de corrupção. Hmm...perigoso, pois ainda no ano passado um colega meu blogger de Cantão escorregou no óleo e foi parar ao hospital muito mal tratado. Queixinhas é feio, e será que é para levar o combate a sério? De facto há camaradas que "abusam do óleo", e depois encontram-se autênticas grutas do tesouro nas caves das suas casas. Mas e a malta que depende deles? Por cada 100 milhões que um "viciado em óleo" subtrai, há outro tanto que vai para os rapazes do carimbo levarem as namoradas ao cinema, ou para outros pagarem as prestações do Audi. Se os camaradas forem "dentro" ou levarem com um balázio na nuca, quem é que dispensa o "óleo"? E a ideia era...ah, recuperar a confiança no partido. Como o nome indica, parece que será preciso mais que óleo e cola para voltar a juntar as peças.

Isto é Lusofonia



É isso aí, meu povo! Primeiro deixem-me agradecer ao Miguel Senna Fernandes, autor desta "chapa" tirada no segundo dia do Festival da Lusofonia, onde estão representadas praticamente todas as valências desse encontro de irmãos. Da direita para a esquerda estou eu, Leocardo (um vosso servo), Pedro Crespo (close to Leocardo, but no cigar), a sua esposa Nesmie Guerrero, o sempre bem disposto José Carneiro da Silva, vulgo "Carneirinho", craque da bola, sambista, gente de bem, e finalmente Sara d'Abreu, irmã de Leocardo e do irmão do Leocardo. Como pano de fundo está a tenda da Guiné-Bissau (este ano senti falta do caldo de chabéu, malta), e Macau "as location", portanto estão representados todos os continentes da Lusofonia. "Falta Timor-Leste!", dirá o leitor mais picuinhas. Pois falta, mas apesar de  ser natural das Filipinas, a Nesmie aceitou representar o povo mauber nesta ocasião. Embrulha! E dá-lhe, Lusofonia!

N does not stand for "Nazi"...or does it?



Andava à procura de um pretexto para falar disto a algum tempo, mas durante uma das minhas incursões pela "concorrência", deparei com este post do Blogue do Firehead, da autoria do meu camarada Hugo Gaspar, que nos fala de um vídeo propagandístico do British National Party (BNP), um partido da extrema-direita do Reino Unido, conhecido pelas suas posições anti-emigração, anti-islão, etc.,etc., o mesmo que todos os partidos de extrema-direita por essa Europa fora. Achei estranho não ter ouvido nada sobre a alegada censura deste vídeo pela BBC, e só depois de uma busca na net percebi que essa censura reporta-se a Abril deste ano, portanto já lá vão seis meses. Não é também nenhuma novidade, pois é amiúde que os vídeos do BNP são censuradas pelas mais diversas razões, e neste caso particular usaram a imagem do soldado britânico Lee Rigby, assassinado no ano passado por extremistas islâmicos, para ilustrar o seu descontentamente por aquilo que consideram uma "descaracterização do Reino Unido" - e fizeram-no sem autorização da família de Rigby. Entre os que estão habituados à retórica vazia dos nacionalistas britânicos e os indiferentes, entre as vozes indignadas estavam também simpatizantes do partido. Isto explica desde logo a "censura" da BBC, que neste caso não teve outra alternativa.

No entanto reconheço alguma razão do BNP na sua mensagem, em algumas das suas posições, e até na sua vertente ideológica, o problema é que se perde no meio de tanta fantochada. É claro que um país deve manter as suas características culturais, e vá lá, "étnicas", valendo isso o que vale, e nem faz sentido abrir aqui discussões sobre "pureza", sendo nós portugueses o resultado do cruzamento dos inúmeros povos que ocuparam a Península Ibérica, para não falar dos que são descendentes de estrangeiros, cuja herança genética se perde sabe-se lá onde e quando. É um facto que a emigração deve obedecer a regras específicas, e não se deve deixar entrar "toda a gente". Duvido que algum estado que se preze cometa tal desfaçatez; se entram elementos perigosos pertencentes a grupos extremistas ou terroristas não será com convite nem carta de recomendação. Esse tem sido o pretexto do BNP, e logo aí percebe-se que assentam num pressuposto de desonestidade. Ao alterarem o discurso que serviu de génese à sua própria criação, acrescentam a isto o facto de serem hipócritas.

Por alguma razão o mais recente UKIP (Partido Independente) conseguiu cativar o eleitorado, tornando-se o primeiro partido além de Trabalhistas e Conservadores a vencer uma eleição no Reino Unido, conquistando 24 dos 73 lugares no Parlamento Europeu, contra 20 dos primeiros e 19 dos últimos. O sucesso residiu sobretudo na prevalência da posição euro-céptica, muito popular entre os britânicos, sobre as bafientas conspirações que culpam os emigrantes por tudo e mais alguma coisa. O mesmo sucedeu com a extrema-direita noutros países, casos da Áustria, Holanda, e surpreendentemente a Grécia, que optaram por discursos mais protecionistas e menos pela via da culpabilização de emigrantes pelos fenómenos do desemprego ou da criminalidade. Os emigrantes vêm para trabalhar, é normal, e não é definitivo que o problema da criminalidade seria resolvido com políticas anti-emigração. Imaginem que até a Marine Le Pen "baixou a bolinha", demarcando-se da cacofonia do papá, e com resultados que se vêem. Mais votos venham, e ela ainda aparece abraçada a um argelino. Seria engraçado, se não fosse pelo facto da popularidade destes partidos de índole populista variar conforme os ciclos económicos; portanto logo que a economia voltar a arrancar, ficam eles a morder o pó.

E para fim deixo o verdadeiro problema com estes vídeos do BNP: são dirigidos a quem, exactamente? Crianças do jardim de infância ou atrasadinhos mentais? Desenhos animados...tudo muito bem explicadinho, não-sei-quantas vezes e devagarinho, e no fim sempre a mesma mensagem. Tudo bem, já entendemos que o (vosso) problema são os emigrantes, e vamos ignorar a vossa teoria de que aparecem por "maldade", mas e agora, soluções? Alternativas? E também outra coisa: se quiserem livrar-se do epíteto de "neo-nazis" ou "nazis", não ajuda nada se entre os vossos membros tiverem grupos que organizam manifestações NAZIS e se auto-intitulam NAZIS. Imaginem que existe uma fatia significativa do eleitorado que se interessa por proteger os interesses do Reino Unido, não simpatiza com emigrantes mas rejeita ser conotada com os nazis? Se há? Há pois! E vota no tal UKIP.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O meu gosto e o mau gosto



O Club Cubic, um espaço de entretenimento nocturno situado no City of Dreams no COTAI, na ilha da Taipa, Macau, e onde nunca pus os pés, está a ser criticado devido à festa de Halloween que vai realizar esta sexta-feira sob o tema "School Massacre". A entrada é livre para as senhoras e/ou meninas, enquanto os cavalheiros e os chungosos terão que dispensar 250 patacas, e tudo para uma noite onde se assinala o início do tríduo de Allhallowtide. "Assinala o quê? Lá está o Leocardo outra vez armado em intelectual" - estará agora a pensar (?) o embrutecido leitor para quem chamar alguém de "intelectual" é pior do que dizer mal da mãe. Se fossem guardar as (raras) vezes em que "pensam" para ir aprender qualquer coisinha de vez em quando, percebiam que nada acontece por acaso, e que o tal "Halloween", ou "Noite das bruxas", em português, não é "uma festa qualquer" que acontece "porque sim" ou porque "apeteceu a uns gajos" fazer. É um tríduo (período de três dias) onde se comemoram os mortos e os mártires nas religiões cristãs ocidentais, e culmina no Dia de Todos os Santos. Outros tríduos incluem o Pentescotes, as Rogações e a Páscoa. Já ouviram falar da Páscoa? Ai foi? Parabéns, olha que amores, tomem lá um doce. Coelhinho e ovos de chocolate ou a morte e ressurreição de Cristo? As duas coisas, claro. Desculpem estar a confundir essas cabecinhas pequeninas mas essa explicação fica para a altura apropriada, quando eu falar nisso pela enésima vez.

Este Halloween é uma festividade com origens milenares e pagãs, e começou a ser comemorada entre os antigos celtas, que acreditavam na visita dos espíritos por altura do fim das colheitas e em vésperas do Inverno, o que explicando detalhadamente daria para fazer quase um ensaio. Mas muito resumidamente esta tradição baseia-se na crença de que fazendo troça das almas penadas, imitando-as ou recriando um ambiente semelhante ao seu (o dos infernos, etc.) estas ficariam baralhadas e davam meia-volta de regresso ao outro mundo - um pouco semelhante ao "mês dos espíritos" no calendário chinês. A tradição foi exportada pelos pioneiros europeus para o novo continente, e terá chegado à América logo a bordo do "Mayflower". Os americanos, que são conhecidos pelo seu lado muito "spectacular, oh yeah", pegaram na tradição e deram-lhe uma nova roupagem, ao estilo "hollywoodesco", e transformaram o Halloween em mais uma máquina de fazer dinheiro. E nem precisaram de inventar nada, pois até os "trick-or-treats", onde os mascarados vão bater à porta de desconhecidos pedindo-lhes doces ou outras goluseimas ou caso contrário partem-lhes as janelas ou enforcam-lhes o gato, é inspirado num costume das terras altas da Escócia chamado "guisling", onde os adultos davam aos mais novos doces, e em troca estes faziam orações em seu nome ou em nome dos seus falecidos. Sendo esta uma tradição cristã de confissão anglicana, não tinha grande impacto nos países de maioria católica, mas começou a espalhar-se primeiro no México e Brasil, depois até à Europa continental e finalmente à Ásia (não sei como estamos de Halloween em África).

A festa da próxima sexta-feira do Cubic chegou ao New York Daily, que na sua edição do Domingo fala da "indignação" causada pelo vídeo que anunciava o evento (entretanto retirado do YouTube) onde se fazia referência a certos filmes de terror onde normalmente o cenário é a escola e os alunos são metodicamente cortados às postas por um misterioso mascarado que blá, blá, blá, o resto é tão previsível que até mete dó, e na vida real não daria para entender como é que mesmo sabendo que existe um homicida maníaco a esfolar crianças numa escola, não se evacua o seu perímetro, encerrando-a e suspendendo todas as actividades enquanto as autoridades não descobrem o responsável? Aquilo que mais chocou alguns foi o facto das imagens "fazerem lembrar" (não sei, não vi o vídeo) alguns recentes episódios ocorridos nos Estados Unidos e na China, o que revela "insensibilidade" e "falta de respeito" por porte dos seus autores. Ora bem, concordo, têm o meu apoio. Pela mesma lógico EXIJO que não se comemore mais o Dia de S. Valentim, em memória das vítimas do massacre de Chicago em 1929, e façam o favor de suspender o Natal já este ano, por respeito aos mais de 400 mortos nos incidentes da República Democrática do Congo em 2008. Vamos lá a ser justos; ou comem ou todos ou não há nada para ninguém. Pois é, estou a ser cínico, mas não é este exactamente o mesmo critério que está aqui implícito?

A questão aqui não é tanto que se comemore o Halloween, que é uma celebração - e agora deixemos de lado o seu significado ou origem - que não nos diz nada. O problema é a ignorância e o seguidismo desta juventude, que vai facilmente atrás de qualquer coisa onde haja festa, bebida e se proporcione um ambiente de deboche e luxúria. Para mim não tem importância que um maluco qualquer escolha determinada data para satisfazer os seus intentos criminosos, porque como diz muito bem o povo "por morrer uma andorinha não acaba a Primavera", e tanto pode ser aquele dia como outro qualquer. O que deviamos mesmo pedir era mais responsabilidade a Cubics e afins na hora de realizar os seus propósitos (lucrativos, e coisas como o Halloween são um bom pretexto), e que tenham em conta o que pensam os consumidores do mercado onde estão inseridos. Quanto aos jovens que participam destas festas, o Halloween é apenas um tema como outro qualquer para ilustrar a paródia, mas tentem lá saber qualquer coisinha sobre o seu significado, e depois analisem perante aquilo que vocês são, no que acreditam (se acreditam em alguma coisa...), acham certo ou errado, e não se esqueçam no outro Sábado há outra vez farra, seja Halloween ou outra coisa qualquer. Não se preocupem que não estou aqui a insinuar que só por irem à festa têm que cumprir a totalidade dos rituais do tríduo e no Domingo são obrigados a ir pôr flores aos antepassados no cemitério. Nada disso. Sejam é um bocadinho mais conscientes, senão qualquer dia ainda vos vejo a marchar numa parada nazi "porque há animação e gajas boas (ou gajos giros, depende)". Sejam vivos, agora que se comemoram os mortos.

Premier League - 9ª jornada



Mais uma ronda da Premier League inglesa, a nona, que terminou a vitória do Queen's Park Rangers sobre o Aston Villa por 2-0, e iniciou-se com a visita do campeão Manchester City ao Boleyn Ground, em Londres, onde perdeu por 1-2 com o sensacional West Ham, que ocupa o 4º lugar da tabela. A equipa de Sam Allardyce, o carismático "Fat Sam", chegou a vulgarizar o adversário, que sentiu a falta do organizador Frank Lampard, excluído por lesão. O francês Morgan Almatafino marcou o primeiro dos "hammers" aos 21 minutos, e aos 75 o senegalês Dider Sakho fez o segundo, para dois minutos depois o espanhol David Silva reduzir para os visitantes. Pouca e tarde demais, e assim os londrinos somam a terceira vitória consecutiva, impondo ao City a primeira derrota fora.



No St. Mary's Stadium, mais conhecido por The Dell, o Southampton recebeu e venceu o Stoke City por 1-0, com golo do senegalês Sadio Mané, aos 33 minutos. Uma partida que em teoria seria entre duas equipas da segunda metade da tabela, mas que deixa o Southampton isolado no 2º lugar da liga, aproveitando assim a derrota do City em Londres. A equipa orientada pelo nosso conhecido treinador holandês Ronald Koeman, e onde o defesa português José Fonte é titular indiscutível, começou a temporada com um empate e uma derrota, mas seis vitórias nos sete encontros seguintes (incluíndo um 8-0 na ronda anterior frente ao Sunderland) deixam os "saints" numa situação pouco habitual para os seus pergaminhos, apenas com o Chelsea à sua frente.



O Arsenal, que vinha de cinco empates em oito jornadas aproveitou a fragilidade do Sunderland, derrotado a semana passada por oito golos sem resposta pelo Southampton para ir vencer no Stadium of Light por 2-0, com ambos os golos a serem apontados por Alexis Sanchez, aos 30 e aos 90 minutos. Os "gunners" aproveitaram ainda o empate caseiro sem golos do Liverpool frente ao Hull City para subir ao quinto lugar, a par dos "reds" e ainda do Swansea, que vencia o casa o Leicester por 2-0. No outro jogo realizado no Sábado deu-se o empate a dois golos entre o West Bromwich e o Crystal Palace.



No Domingo a ronda começou com a vitória do Everton por 3-1 no reduto do lanterna-vermelha, o Burnley, que valeu aos "toffees" a entrada no top-10 da tabela, e a seguir o Newcastle foi a White Heart Lane vencer o Tottenham por 2-1, somando a segunda vitória da época, e também consecutiva. O jogo grande desta nona jornada foi em Old Trafford, onde jogaram Manchester United e Chelsea. Didier Drogba marcou para os "blues" aos 35 minutos, mostrando a Mourinho que ainda é uma mais valia nos londrinos, e só nos descontos Robbie Van Persie empatou para os "red devils", que apesar do quarto jogo sem perder continuam num modesto 8º lugar, a dez pontos do líder.

Classificação (dez primeiros):

1 Chelsea 9 +15 23
2 Southampton 9 +15 19
3 Manchester City 9 +9 17
4 West Ham 9 +5 16
5 Arsenal 9 +4 14
6 Swansea 9 +3 14
7 Liverpool 9 +1 14
8 Manchester United 9 +3 13
9 Everton 9 +2 12
10 Hull City 9 +0 11

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Patriolítico



Quando ouvimos falar de "educação patriótica", vem-nos de imediato a cabeça a imagem de um passado recente que preferimos tentar esquecer: o Estado Novo, o Salazarismo, e a sua trindade "Deus, Pátria e Família", e se no caso dos outros dois é dificil encontrar um substituto à altura, os rigores da ditadura de índole corporativista deixou-nos divorciados da palavra "pátria", tal como de outras, casos de "nação", "luso" e até do próprio nome do nosso país, "Portugal", inserido em certos contextos. O que a ladaínha do rústico santacombadense pretendia alcançar era um sentimento de pertença a um todo que ele idealizara como "mundo português" (que foi tambem o nome de uma exposição temática realizada em Lisboa em 1940) e em nome dessa vontade recusou abrir mão das colónias ultramarinas, que chamava de "províncias", equiparando o Minho e o Alentejo a Timor ou Angola, deixando o pais no isolamento, o que também foi desvalorizado com recurso ao eufemismo "orgulhosamente sós" - pelo menos havia quem se orgulhasse de tal. Os mais velhos que eu pelo menos uma dezena de anos devem certamente recordar-se da retórica com que foram "vacinados" logo no ensino primário, e dos conceitos de família como o elemento nuclear da sociedade, o Estado como entidade gestora desse conjunto, com Deus, e apenas Deus acima de todos. Não tenho a certeza se algures num dos livros escolares desse tempo se lia que Deus aprovava o Chefe do Conselho, mas a ideia que se deixava implícita era basicamente essa.



Mas também nos restantes regimes totalitários, de ideologia marxista-leninista, a educação patriótica foi utilizada como meio de propaganda, de modo a mentalizar desde muito novos os jovens e futuros adultos a ter em elevada consideração e estima essa imagem de "Pátria", atribuindo-lhe qualidades muito acima do seu mero valor abstracto. Estaline e a URSS foram os pioneiros nesse estilo que se destacava pelo elevado rigor artístico; quer na música, cinema, cartazes propagandísticos, literatura ou qualquer outra expressão, era notório o esforço em cativar o receptor, e assim transmitir a mensagem ao mesmo tempo que se despertava com entusiasmo o sentido patriótico. Depois de Estaline foram a China de Mao e a Coreia dos Kim quem melhor aproveitou a ideia. As temáticas nao divergiam muito conforme o regime: exacerbar os feitos heroicos da nação, omitir os erros ou atribuí-los aos inimigos, demonizar esses inimigos, aqui quase sempre com os Estados Unidos e o Japão a cabeça, e eventualmente o Ocidente em geral, representar um povo feliz e grato pela revolução do proletariado e elevar o líder da nação a um estatuto quase divino - o tal "culto da personalidade", uma estratégia que visava consolidar o poder. Estaline optou por fazer passar a imagem do grande chefe de uma família numerosa unida pela URSS, o "pai dos povos", enquanto os Kim atribuiam a si mesmos poderes sobrenaturais, como a imortalidade ou a cumplicidade com a natureza. Já quanto a Mao, este conseguiu levar ao extremo esta ideia do "culto da personalidade", ao lançar nos anos 60 a Revolução Cultural. A ele atribuía-se quase tudo de positivo, desde o arroz na mesa ao nascer e o pôr do sol ou à reprodução das espécies - uma transe colectiva que ainda hoje está por explicar com mais precisão. A própria ópera de Pequim chegou a ser substituída por uma versão patriótica, e é com algumas reservas que os chineses modernos olham para tudo isto que se insere no conceito de "educação patriótica", a que olham como uma espécie de "vaca sagrada". Os próprios campos de reeducação pelo trabalho, autênticos campos de concentração onde se castigava a desobediência sem recurso a julgamento, são vistos como uma forma extrema de educação patriótica.



Já aqui expliquei que tenho uma espécie de problema mal resolvido com esta expressão, "amar a Pátria". Talvez seja um conflito entre o sentimento de afeição que a palavra "amor" implica e o objecto desse afecto. Além do amor carnal e da sua expressão física, temos o amor fraternal, que se sente pelo próximo, e aqui podemos incluir os pais, os irmãos, os filhos e os amigos, ou o amor espiritual, que julgo ser onde a "pátria" se classifica para os autores do conceito. Poderia entender isto como a mesma coisa que o amor às belas-artes, a um clube desportivo, e aqui por vezes mistura-se o amor com a paixão, qual dos dois o mais irracional, ou o amor aos valores que todos prezamos sem que para isso seja preciso sermos ensinados ou aprender a gostar, casos da liberdade ou da vida, por exemplo. E é aqui que reside a grande falácia da educação patriótica; quer nos exemplos de Salazar quer de Mao, ou nos outros que mencionei e onde existe um forte pendor totalitarista e autoritário, o aspecto militarista tem uma importância decisiva - é ao exército que cabe defender a soberania da nação, e por inerência a esta o próprio regime, que sendo neste caso autocrático e não necessita do apoio popular, tem que contar com seu braço armado, deixá-lo satisfeito, ou arrisca-se a vê-lo virar-se contra si - quem quiser o poder necessita sempre do exército, e a lealdade deste depende de muitos factores.



Posto isto, um dos fins a que se propõe esta educação patriótica e o seu anexo "amor à Pátria" é o de convencer o seu público-tipo (os jovens) de que é o seu dever "dar a vida pela Pátria", seja isso necessário. Em estados onde não há democracia e por isso o Governo não deriva da vontade popular isto é uma prática tida como "normal", enquanto nas democracias minimamente funcionais seria considerado suicídio político. Na China foi chão que deu uvas até se dar o milagre económico, agora é encarado como uma patetice. Claro que os chineses são patriotas, pouco tolerantes ao desaforo, mas isso quando atingem o seu país; com o partido é outra história - quem são estes tipos para que eu vá morrer por eles. E de facto numa era onde já não há heróis e a informação circula de uma ponta à outra do planeta, não há sequer a hipótese de um careca esconder a careca; o que é, é, e o que não é não entra na contabilidade. Eu próprio sou alérgico a essas definições de traição, sedição, secessão e quejandos que constam da tal lei que o artº 23 da Lei Básica produziu, que mesmo sabendo que não me são dirigidos, não os aceitaria de qualquer jeito: nunca morreria "pela Pátria", nem a minha nem qualquer outra, nunca combateria numa guerra qualquer mandado pelos tipos que depois ficam com o rabo sentado nos gabinetes ou nos quartéis a "delinear estratégias" como se as pessoas de carne e osso fossem peões num tabuleiro de xadrez. Nada contra as pessoas que tiveram familiares caídos em combate, ou que ainda vivas sofreram pela sua autonomia e pela liberdade do seu povo, mas o meu país é onde eu me sinto melhor. A "Pátria" nao é mais senão um espaço físico-político, o hino e a bandeira são símbolos, e como tal têm esse valor apenas: simbólico. Não me atrevo a julgar ou a fazer pouco das pessoas que choram quando ouvem o seu hino ou vêem icada a bandeira do seu país porque não as entendo, não percebo essa reacção. Entao quer dizer que "respeito", pelo menos? Não, e também não condeno: não entendo.



Na semana anterior à última, mais precisamente no dia 17, se não estou estou enganado, dois deputados da AL em Macau sugeriram que se devia introduzir nas escolas do território essa disciplina de educaçãao patriótica, de forma a promover entre os mais jovens o tal "amor a patria". Isto no seguimento dos recentes incidentes que tiveram como palco Hong Kong, e onde o movimento "Occupy Central" chegou a contar com um apoio significativo da populacao no sentido de exigir de Pequim maior autonomia para a regiao, e de um modo geral, de forma imolicita, uma maior abertura da parte do regime e a implementação de reformas democráticas. Os deputados em questão receiam que o mesmo pode vir a suceder-se em Macau, e para evitar que tal aconteça nada como começar por recordar os mais jovens de que devem lealdade ao seu país, e por inerência ao Estado, pois quaisquer investidas contra o princípio fundamental onde assenta a Patria, a sua unidade, pode colocar em risco a sua propria existência como entidade soberana, e assim arrisca-se não só ele a perder essa identidade, mas colocar em risco a identidade dos seus compatriotas, que se orgulham da Pátria, valorizam o seu carácter uno, e não pensariam duas vezes em dar a vida em nome desse ideal. Quem entende isto desta forma, é claro que só pode estar a querer demonstrar que ele proprio é um verdadeiro patriota, um daqueles "as antigas", mas ao sugerir tal medida apenas com o carácter preventivo, dá a entender que esta a dar aos miudos um "puxão de orelhas" adiantado, e passar a mensagem que "de onde veio esse há mais". E no fim de contas é passar um atestado de inaptidão intelectual aos jovens de Macau; não estamos aqui a falar de uma aldeia no interior da China, perdida nas montanhas e isolada do mundo, onde a pouca informação que chega é submetida a uma rigorosa triagem, e uma população receptiva a acreditar em tudo o que alguém com o mínimo de autoridade lhes queira fazer crer.



É que actualmente os conceitos outrora ensinados no contexto da educação das massas, das ditas classes operárias e dos camponeses, caíram para a classificação de "kitsch", que não deixando de ter o seu encanto, ou até algum valor nostálgico, não têm qualquer expressão nos tempos que correm. Como é que se vai incutir na juventude moderna este tipo de valores? Perguntem a qualquer miúdo chinês se lhe derem a escolher entre uma bandeira da China e um iPhone 6 novo, qual ele prefere. E onde se insere aqui o discurso de que tudo deve ser ponderado de acordo com critérios científicos, quando se atribuir à Pátria características quase humanas, tentando personificá-la? Quando Pequim tentou introduzir este conceito em Hong Kong de modo a "endireitar o mau aluno", a ideia foi muito mal recebida, e dos protestos nasceu a lenda, Joshua Wong, o tal activista em ponto pequeno, um dos fundadores e actual líder do escolarismo. Se não serviu para a RAEHK e até teve efeitos preversos, o que leva estas pessoas a pensar que serve para Macau? A educação patriótica é como uma mézinha do tempo dos nossos avós que requer horas a preparar e de eficácia duvidosa, enquanto se pode adquirir na farmácia um medicamento genérico que actua em minutos com resultados garantidos. O pior é obter a receita médica, pois até os mais novos, e com toda a certeza a maioria dos seus pais, têm consciência de que a actual classe dirigente tem ela própria muito que aprender no que toca a fazer sacrifícios em nome do "amor à Pátria". Isto sem querer estar a referir estes dois deputados em particular, mas não deixa de ser curioso que um deles tenha parcerias na área dos negocios com os japoneses, um dos "vilões" segundo os currículos da educação patriótica. Assim sendo, na eventualidade de insistirem em levar para a frente esta ideia (o que eu duvido), ainda se arriscam a ouvir dos jovens que pretendem "educar": "Amor à Pátria? OK, o que é que queres que eu te ensine?"


UniverXXXity



Muito bem, meninos e meninas, estão prontos? Trouxeram camisinhas que cheguem? E frascos de "lube" da Durex, K.Y, iguais ou superiores? As meninas não estão de regras pois não? Se estão não faz mal, que nesse caso ficamos acima do equador. Entra a música do genérico, reconhecem certamente de algum filme pornográfico - ou de todos - e começa a acção. Para cima, para baixo, ao som do contrabaixo, para baixo, para cima, ao som da concertina. Estejam à vontade para editar as partes "mortas", ou simplesmente passar à frente; a representação não é lá grande coisa, e os diálogos ainda pior. E como vamos chamar a esta obra-prima da "séxtima" arte? E que tal "As vaginas do sr. reitor"? Hmmm...muito denunciado, e a referência é demasiado literária. E se lhe chamarmos "Eu Zhao me vim"? Na, que piada mais sem graça. "Ilha da Montada"? "Montada na ilha"? Essa já foi feita no artigo de sexta-feira, vá lá, puxem pela imaginação. Tem que ser um nome comercial, algo com que toda a gente se identifique, e faça uma pequena ideia do que pode esperar, mas sem...já sei! "UniverXXXity"! Perfeito! Mandem para a gráfica e fiquem de olho no tipo que vai editar a capa. Nunca se sabe se está lá o engraçadinho do costume e depois ainda dizem que foi "sem querer", ou "por falta de experiência". É desta que vamos recuperar do prejuízo que tivemos com a última produção, o "Bill Chouuuu..uau!". O que estavam vocês a pensar?


E podia ser assim em qualquer das muitas mansões que se encontram um pouco por toda a Hollywood Boulevard, situada no vale do sopé da colina com o mesmo nome. Só que aqui temos mais que uma colina: temos uma montanha; e menos do que pouca-vergonha: vergonha nenhuma! É que depois do anúncio da última semana que dava conta de um caso de assédio sexual ocorrido nas antigas instalações da Universidade de Macau, no Pac-On, a paz deixou de reinar em algumas das faculdades do novo campus na Ilha da Montanha. Só assim se explica que até alguém normalmente tão sóbrio como Eilo Yu Wing Yat (余永逸) professor, investigador, autor de inúmeros livros, ensaios, artigos para jornais revistas e outras publicações quer de Macau, Hong Kong e Taiwan assuma uma missiva destas, a que vemos em cima. Todos aqueles apelos para que os alunos "se acalmem", dizendo que estão "ansiosos" devido ao medo que venham a ser "vítimas de assédio sexual", e caso isso aconteça, "podem recorrer a um professor da vossa confiança", ou "ir falar com ele no seu gabinete" - estranho, no mínimo. Um comunicado de teor suspeito, que dá a entender que os casos assédio sexual na UMAC são tão frequentes que os estudantes não se conseguem concentrar nos estudos. Será mesmo verdade que andam a ocorrer casos a uma frequência alarmante, ou é apenas Eilo Yu que só entende de política e aqui meteu os pés pelas mãos?


Zhao Wei, vai pela última possibilidade, e diz que a carta é da exclusiva responsabilidade do professor. O reitor da UMAC está debaixo de fogo cruzado desde ficou conhecido caso de assédio sexual ocorrido o ano passado com uma aluna por parte de um professor da Faculdade de Ciências Sociais, natural do continente, que seria suspenso 12 dias pelo acto. Zhao responsabiliza-se pela decisão do procedimento disciplinar feito ao docente, e defendeu-se das acusações de ter ocultado factos e ter castigado o professor em causa de forma ligeira. O reitor justificou-se com o conceito de assédio sexual, que "pode variar de local para local, e pessoa para pessoa". Resposta infeliz, mas talvez a habitual inapetência já várias vezes demonstrada pela Universidade para lidar com estes assuntos, mas com um fundo de razão. Ás vezes as coisas não são aquilo que parecem...


Este professor da Escola de Belas Artes de Sichuan, Wang Xiaojian, foi acusado de assédio sexual a uma aluna a 12 de Outubro,  isto apesar de já se ter aposentado final do ano lectivo anterior. Perante esta prova e testemunhos de alunos que alegadamente o viram nestas condições, foi-lhe aberto um inquérito. Agora uma outra perspectiva da mesma imagem:


Pois é, aqui temos o tal professor, na mesma fotografia, não numa sala de aula mas num restaurante a trocar carícias com uma aluna. Não dá para entender a reacção da jovem estudante, mas não se visiona o prof. Wang a tocar em qualquer parte sensível da moça. Uma colega sua, sentada na mesma mesa, parece estar a divertir-se - e é só isso que parece. E se formos usar um método de desempate antes de desconfiar do docente?


E aqui está. Parece que afinal não  estamos na presença de nenhum velho tarado, mas apenas de um professor bem disposto, brincalhão, e pelos vistos muito querido pelos seus alunos. Por causa desse caso de alegado assédio, perdeu uma parte da reforma que auferiu depois de 40 anos a ensinar, bem como o direito de participar em todas as actividades realizadas pela sua antiga Universidade. É isto, vejam como pode ser perigoso brincar com algo tão sério como o "assédio sexual". Imaginem o que se faria com a democracia.


E como devem ter reparado, algumas das imagens foram retiradas da página de Facebook da Macau Conceallers, a publicação de Jason Chao, que vemos aqui com Kam Sut Leng a assinar uma petição pedindo que a UMAC respeite a liberdade académica, ambos na condição de ex-alunos dessa instituição de ensino superior. Como já tinha anunciado na quinta-feira, a Associação Novo Macau vai organizar um protesto junto da Universidade de Macau, no novo campus da ilha da Montanha no dia 31 de Outubro. Inicialmente o protesto tinha como pretexto o despedimento do prof. Bill Chao, actual vice-presidente da  ANM, mas a juntar este caso de assédio, sexta-feira promete ter um Halloween antecipado.


Apesar da identidade do professor que  em Março de 2013 terá assediado uma aluna, "abraçando-a" na sala de aula, a sua identidade é conhecida, e quanto a Bill Chao, parece estar mais ansioso que nunca por sexta-feira. Na página onde se vê a missiva de Eilo Yu, lá em cima, lê-se um comentário de Chou, que cita Simon Chen, professor da Universidade de Hong Kong e escritor:

我在澳門大學十二年,位至副教授,最後連保護自己份工的能力也沒有,何況保護學生? 忽然有人說,自己有能力保護澳大學生不受性騷擾所害,這也算是平行時空嗎? 

Se a Universidade não defende um professor que lecionou durante 12 anos nessa instituição, como vai proteger os seus alunos de assédio sexual?


Isto promete, sem dúvida, e ganhou mais força com a eleição para a Associação de Estudantes no passado dia 10, onde venceu a Lista 2, a "Refresh", apoiada pelo Novo Macau e composta inteiramente por elementos do grupo pró-democrata. Um ano lectivo muito quente em perspectiva na UMAC, e escaldante para o reitor Zhao Wei.

Susana: quem não chora não mama



Susana Chou é aquilo que podemos chamar de "tremenda cara-de-pau"; que senhora lata, a lata da senhora. A sério, lembram-se da minha fase mais "peixeira"? Ela faz pior, e ainda lhe junta vinagre e malagueta, deixa a cozer e à saída da cozinha solta um traque, para deixar um gostinho mais "agreste". Quem acompanha a carreira (?) da senhora deve ter desconfiado quando ela criou um blogue exactamente após a sua saída da Assembleia Legislativa (vá lá, um mês e meio depois; aborreceu-se depressa) onde tem "denunciado" tudo aquilo que acha mal, disparando em todos os sentidos, a torto e a direito, tendo como alvos preferenciais os seus antigos "companheiros de caserna" (leia-se "cúmplices") do Governo e do mundo empresarial. Nem vale apena referir aqui a metamorfose mais que evidente que sofreu quando passou da vida pública para o remanso da cidadania privada, ou de como poderia ter contribuído de algum modo para resolver ou amenizar os problemas que analisa no blogue, e não sei se algures entre os 483 artigos que assinou nos cinco anos que dura o seu "Bloco de Notas" (記事簿), nome deveras criativo e original, faz alguma referência aos "casos" em que foi protagonista desde a sua saída do hemiciclo, nomeadamente o envolvimento no primeiro caso conexo ao caso Ao Man Long, relacionada com a companhia CSR-Macau, de que chegou a ser presidente, ou de uma eventual participação na empresa Reolian, ex-concessionária do serviço de autocarros entretanto falida. Não sei, não sei e não sei. Tudo mera especulação, e seja eu um cão se sei mais que alguém. Aliás, estamos a falar de quem mesmo? Susana Chou? Não sei quem é.

Na sua última entrada no blogue (qualidade em deterimento da quantidade, aparentemente), a ex-presidente do hemiciclo fala da "cultura dos afilhados" (契爺文化) vigente na Administração de Macau, e para chegar lá usa o pretexto do recente concurso de acesso à carreira de jurista, que foi notícia pelo facto de apenas um dos cerca de quinhentos candidatos inicialmente admitidos ter passado na prova escrita de conhecimentos, que segundo os candidatos ouvidos pelos orgãos de comunicação social, era "demasiado longo". Patati-patatá, isto aqui e aquilo lá, a senhora quer mesmo é chegar ao essencial de todo aquele paleio mais técnico, que é a existência de um sistema de atribuição de cargos na função pública através daquilo que na China continental é conhecido como "guanxi" (關係), e que conhecemos no ocidente por "nepotismo", e não havendo na China um Papa com sobrinhos para justificar o sentido específico deste termo, "favoritismo" (任人唯親). Este é um tema que me é especialmente caro, uma vez que por alturas da transição, quase que se dava um vendaval com os suspiros de alívio pelo fim dessa prática, atribuída exclusivamente aos portugueses, e corrente durante a sua administração. Não me vou expôr ao ridículo de negar que é verdade, mas pelo menos os portugueses tinham algum decoro, enquanto actualmente é "sempre a abrir", e há quem nem tenha papas na língua e se apresente como o filho deste ou daquela, o afilhado da outra, ou o irmão de não-sei-quem cuja merda cheira bem. Mas lá está, agora está bem, "é assim". Vocês é que não sabem fazer as coisas. E a sra. Susana Chou, está a pensar o quê? Não tem nada para nos dizer que já não estivessemos fartos de saber?