domingo, 18 de abril de 2010
Macaufobia
Mais de setenta académicos locais e estrangeiros estiveram reunidos na última quinta e sexta-feira na UMAC para discutir uma coisa nova: a Macaulogia. Macau, e logia, lógico, Macaulogia. Nem sei como é que nunca se lembraram disto antes. Aliás, o dr. Rogério Puga lembrou-se há uns anos quando criou o blogue Macaulogia: Fórum de Estudos sobre Macau. Seria um prenúncio? Não sei se a "Macaulogia" dará lugar a um novo curso, assim como aqueles muito curiosos que encontramos facilmente através de um pesquisa num motor de busca da internet, assim como "Sobreviver quando se é um estrangeiro", que se pode estudar na Texas A&M, ou "Antropologia do som", na MIT.
Não sei qual foi o objectivo da 1ª conferência internacional da Macaulogia, mas o que já existia - e existe - é um património cultural e histórico riquíssimo que já merecia ser estudado, investigado, procurado e esmiuçado com mais atenção. Atenção e carinho, que a História de Macau que não vem nos livros está fechada a sete chaves, numa espécie de Arca da Aliança, e que se pode transformar em pó ao mais pequeno toque. Muita da História de Macau está esquecida, enterrada, perde-se na tradição oral, ora dos que partem para outras terras ou para o outro mundo, e levam consigo "estórias" que ficam por registar.
Quando na noite de 19 de Dezembro de 1999 o então presidente chinês Jiang Zemin se dirigiu na primeira pessoa à população de Macau e falou de "um novo começo", não estaria certamente a dizer que se devia apagar o passado, e começar a construir-se uma Aomen, a partir de um ano zero qualquer desde que regressou ao regaço acolhedor da mãe Pátria. Mas é o que muita gente gostava de ver acontecer. Será que vale a pena ensinar aos jovens de Macau a sua História? Das origens desta cidade, que foi construída por conquistadores, piratas, refugiados, batoteiros, criminosos e malucos, cheia de acidentes e incidentes e muita obra do acaso. Será que os futuros macaenses que se chamam Pinto, Santos, Silva ou Rodrigues, tal como um dia se chamarão também os seus filhos, vão saber a origem do seu apelido? Vamos ter aqui uma nova Goa, um Sri Lanka qualquer, uma menos atávica Malaca?
Na escola primária aprendíamos superficialmente sobre as regiões autónomas e sobre Macau. A minha professora dizia-nos que "Macau tinha sido oferecido aos portugueses como recompensa pela ajuda no combate aos piratas do Mar da China". Uma teoria cada vez mais rejeitada nos tempos que correm, pois de "oferecido" passou rapidamente a "roubado" ou "ocupado", depois de versões díspares envolvendo entrepostos comerciais, ora que os mandarins foram "tolerando" a nossa presença, e a História foi sendo reescrita à medida que Macau passava de um bocado de terra sem valor a um sem número de oportunidades de negócio. Nos anos 40 do século passado o Governo Português de Macau deu guarida a centenas de milhar de refugiados chineses fugidos do terror das invasões japonesas. Quem sabe se daqui a 100 ou 200 anos este facto seja seja também ele afinal uma "mentira"?
Existe uma espécie de ressentimento das gerações que compõem o grosso da actual população de Macau. Para que lhes interessa conhecer uma História que nunca lhes deu nada, a si ou aos seus, e as únicas histórias que ouvem dos pais ou dos avós são de tempos de pobreza, dificuldade e sofrimento. Paira no ar uma "Macaufobia" que leva a que a Macau dos seus antepassados, das casas baixas, do cheiro a pexe salgado e vinho chinês e das jogatinas de rua seja substituída pela Aomen dos prédios altos, do neon dos casinos, das americanices e das estuchas de programas de entretenimento dos canais de Hong Kong. Macau corre o risco que a sua História se confunda um dia com a História da própria China. Mais cedo se aprenderão as dinastias chinesas e quem sabe se os portugueses figurarão na lista dos "povos opressores" que batiam no pobre palhaço chinês, como se via naqueles filmes que passavam nos cinemas da Xangai dos anos 20.
Será uma pena que no futuro as gentes de Macau não se interessem sequer pela origem do chão que pisam. Alguém acredita que os chineses que vivem na Avenida Almirante Lacerda, Horta e Costa ou Coronel Mesquita saibam ou queiram saber quem foram essas personalidades que deram nome à rua onde provavelmente passaram os melhores anos das suas vidas? Será que alguns dos "passageiros" da fronteira das Portas do Cerco se detiveram a contemplar aquela magnífica imagem onde se lê "A pátria honrai que a pátria vos contempla". Quem sabe se na Macau, perdão, na Aomen do futuro uns pequenos retoques façam com que a "pátria" seja - como sempre foi, dirão - a pátria dos mandarins. Tal como na tal fábula de que os portugueses afinal eram uns gajos porreiros a quem este pedaço de terra sem valor foi oferecido, e que debaixo do seu tecto acolheu os ancestrais dos seus oumunyan (ou aomenren), fugidos dos horrores da guerra.
Não me surprenderia Leocardo.
ResponderEliminarEssa tedência de reescrever e reivintar a História é o desejo, muito pouco escondido!, de algumas cabeças pensantes de Macau.
Não sei se este fórum será a resposta a essa tendência, se será o começo de um movimento que venha a implementar o estudo da História de Macau nas escolas.
Apetece-me dizer o que ouvi a alguém que muito prezo - mal não fará.
Os resultados, as conclusões, cabe-nos a nós acompanhá-los com atenção e, se for caso disso , criticá-los e denunciar alguma inverdade que seja dita.
Muito bem. Eis o epílogo que faltava à minha posta.
ResponderEliminarAbraço
POis,muito bem, subscrevo tudo.
ResponderEliminarDepois da inépcia da caca nacional que ficou e ainda há nos Estudos Portugueses na UM, mais o foragido Carneiro da agora dita "U. S.José", não me admiro que sejam já os chineses a lançar mãos à obra. E não esquecer a mudança boa que houve na presidência do ICM depois da saída da mentecapta da Heidinha. Haja esperança!
"A minha professora dizia-nos que "Macau tinha sido oferecido aos portugueses como recompensa pela ajuda no combate aos piratas do Mar da China" vejam o que o Professor Hermano Saraiva tem para dizer sobre este tema neste video. http://www.youtube.com/watch?v=w0Wf7zUkCMo
ResponderEliminarNem os portugueses nem os chineses são burros,quando perceberem isso vão perceber que Macau nunca foi oferecido pelos chineses a Portugal,alias se foi Macau foi oferecido então porque Portugal teve que devolver Macau a China em 1999??È triste quando as pessoas não sabem nada da história de Macau.
É como se tivesse sido oferecido, não houve conquista como aconteceu em todos as outras possessões. Se não foi oferta, foi pelo menos um acordo tácito, o que é talvez caso único. Isso não tem tanto assim de fábula.
ResponderEliminarAnónimo das 14:18 - esse vídeo do prof. Hermano Saraviva só vem dar força à teoria de que Macau foi realmente oferecido. Bem, não "oferecido" no sentido de "toma lá Macau", mas como se diz na gíria, foi "emprestadado". Quanto a esta parte do seu comentário: "se foi Macau foi oferecido então porque Portugal teve que devolver Macau a China em 1999??" revela ignorância. Desconhecimento da história ainda se tolera, é normal que nem toda a gente se interesse por História, mas desfazamento da realidade é muito pior.
ResponderEliminarCumprimentos.
A Declaração Conjunta responde - Macau era território chinês sob administração portuguesa.
ResponderEliminarAlgo bem diferente de soberania.
Está aqui http://devaneiosaoriente.blogspot.com/2010/04/23-anos-depois-da-assinatura-da.html
Como será que os miudos nas escolas chinesas aprendem isto? Seria interessante saber como os professores chineses ensinam isso aos miudos...
ResponderEliminarA avaliar pelo seu comportamento quando são crescidos, é fácil perceber-se o que se lhes ensina.
ResponderEliminarBem, lá vão os historiadores seguirem os passos dos japoneses, cuja sua história nunca foi revelada.
ResponderEliminarSe esses senhores conseguirem dar conhecimento da realidade da criação de Macau, então será de louvar, e deixam de haver pensamentos ambiguos sobre a matéria.
A história é escrita à vontade dos patrões.
D. Fernando tinha o cognome o Formoso, e existem livros que explicam bem esse cognome, deixo à curiosiade dos historiadores.
Isto da história de Macau é como a passagens dos vietnamitas pelo território, encontrar documentos nesse sentido é como procurar uma agulha num palheiro, e isto não se passou à muitos anos!...
Macau era território chinês sob administração portuguesa --- Macau passou a ser assim designado após e só após a abrilada de 74.
ResponderEliminarCorrijam-me se estou errado.
AA
Formalmente, julgo que o Anónimo das 03:54 está correcto.
ResponderEliminarMas é preciso verificar que só passou a ser assim designado após Abril de 74 porque antes não havia relações diplomáticas (formais) entre Portugal e a RPC.
Como tal, qualquer designação era unilateral.
Agora sou eu que pergunto - estou certo, ou estou errado?
Uma coisa é emprestar e outra coisa é oferecer,Macau não foi oferecido,foi emprestado,alugado,e por isso que teve ser devolvido a china em 1999.O Video http://www.youtube.com/watch?v=w0Wf7zUkCMo
ResponderEliminardiz tudo
O leocardo e paneleiro!
ResponderEliminaroh anónimo das 6h36 como que sabes que leocardo é paneleiro?Já foste enrabado por ele???
ResponderEliminarA mensagem é "leocardo e paneleiro", ou seja, leocardo e outra pessoa. Neste caso o anónimo das 6:36
ResponderEliminarCumprimentos.
Julgo que Macau nem foi oferecido, nem emprestado. Apenas os portugueses se instalaram por estas bandas e por aqui ficaram. Na altura o poderio militar da armada lusitana metia medo aos mandarins que gostavam da nossa presença por fomentar as trocas comerciais. Um pouco como actualmente, portanto.
ResponderEliminarAA