terça-feira, 3 de novembro de 2009

O busílis da questão


Passei esta tarde a pé pelo Largo do Senado, e só ouvia os transeuntes falar Mandarim. Tem sido habitual visitar alguns dos locais mais inn do território e denotar esta tendência, que até se saúda tendo a conta a recente ideia de integrar o território no contexto da região de Cantão. Quero crer que isso será muito bom para Macau, pois basta visitar Hong Kong, Zhuhai e Guangzhou para perceber que em termos de urbanização, modernidade e crescimento, Macau tem dado muitos passos atrás. Temos muito que aprender. O que mais me preocupa contudo é a completa alergia à diversidade de que sofrem os responsáveis pela gestão do território.

É certo que, e isto usando uma enorme dose de pragmatismo, são os turistas chineses que providenciam oléo que calibra a máquina das finanças. São eles que apostam forte e feio nas mesas dos casinos, são eles que ocupam os quartos de hotel, são eles que compram aquela roupa e joalheria ridículas nas lojas de marca, que custam os olhos da cara e mais ninguém no seu perfeito juízo compraria. Isto à custa de uma certa dose de mau gosto e foleirice, enfim, ossos do ofício. Mas não seria giro pensar em outros mercados? Sei lá, o árabe ou o russo, malta que também tem massa para gastar?

Tive aqui um amigo estrangeiro que se foi embora a semana passada depois de ter passado meses à procura de qualquer coisa onde investir ou trabalhar no seu ramo de especialidade, mas no fim fez uma cara feia e saíu de mãos vazias, cansado dos obstáculos que encontrava cada vez mais, à medida que o visto de permanência se ia esgotando. Ao contrário de todas as outras cidades da região a quem Macau quer dar as mãos, faltam no território locais de interesse lhe que dêem um ar mais internacional. Os pequenos investidores são desencorajados em investir devido à burocracia e às leis de contratação de mão-de-obra que queira realmente trabalhar e perceba o mínimo daquilo que se quer fazer.

O pequeno comércio mais original (filipinos, indianos, tailandeses) vão sobrevivendo à custa dos seus poucos expatriados e alguns curiosos e graças a mão-de-obra familiar, sem no entanto ter qualquer ambição em expandir-se ou implantar-se com mais firmeza. Mesmo os restaurantes portugueses vão aguentando graças a muito boa vontade e a uma certa qualidade – reconheço esse mérito – de que vão tendo a fama. Mas já repararam que nos grandes hotéis, onde a restauração “a sério” vai acontecendo, não há um restaurante português digno desse nome? Há japoneses aos pontapés, italianos, franceses e até coreanos. E não que estes projectos muitas vezes pioneiros e verdadeiramente genuínos sobrevivam graças à boa vontade do Governo. Não fazem parte do grande plano para o território, seja ele qual for.

Se a ideia é, no âmbito do triângulo Hong Kong-Zhuhai-Macau que a futura ponte vai unir, o eixo Macau servir como “local privilegiado para o Turismo”, é preciso dar aos turistas qualquer coisa que não os faça ficar fartos depois da primeira ou da segunda visita. Igrejas, monumentos, templos e casinos ficam vistos uma vez ou duas, não mais. Nesse campo a questão das diversões e das indústrias criativas está praticamente no zero. A Doca dos Pescadores, um local realmente aprazível, bem decorado e com um grande potencial, está a tornar-se num enorme elefante branco, e atirado para uma zona que já foi de luxo, e que se considera agora problemática (droga, pensões ilegais, clandestinidade em geral), e só tem como ponto positivo ficar próxima do terminal de Jetfoil.

A única diversão da população local ainda se resume aos enfadonhos karaokes, e o único contacto que a nossa juventude tem com a natureza são aqueles piqueniques a que ocorrem centenas aos fins-de-semana e feriados na ilha de Coloane. Mesmo as praias, pelo menos duas com um enorme potencial, são sub-aproveitadas. Isto para não dizer que são tratadas como se fossem inexistentes. Existem “colónias balneares” (acreditem, existem mesmo) que estão completamente às moscas, só com a manutenção mínima que lhes permitem continuar a existir, em vez de se pensar em serem criadas condições para que a pequenada queira mesmo ir à praia. As piscinas são as férias dos pobres, e quem queira mesmo ir a banhos como deve ser, ainda recorre à Tailândia e outros países aqui à mão de semear.

Se há quem pense que se vive bem em Macau porque é “mais barato”, isso vai sendo também cada vez menos verdade. Se isso leva à inevitável consequência do residente de Macau perder o poder de compra (o único sítio da região que não tenho ouvido os meus amigos queixarem-se que é “caro” é o Vietname), leva também a que nos tornemos cada vez mais dependentes de divisa estrangeira. Se estivermos à espera da população local para levantar os índices de consumo, bem podemos esperar sentados. É por isso que é necessário agir, e agir rápido, no máximo nos próximos dois ou três anos, se possível. É essa a grande tarefa da nova administração, e seria uma evolução genial para Macau. Se já temos o “quando” (já e agora), temos o “porquê” (todas as razões acima mencionadas), falta o “como”. E esse é que é o busílis da questão.

12 comentários:

  1. Como podem as praias ser aproveitadas quando a água é o nojo que se conhece?
    A esse propósito, já repararam na quantidade industrial de lixo que a juventude deixa em Hac-Sá depois dos seus piqueniques e churrascos?

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  2. Fui eu que escrevi aquele comentário no post anterior acerca da Doca dos Pescadores, dizendo que esta gente de Macau é mesmo muito esquisita, e reitero outra vez o que disse.

    Esta gente não vai aos cinemas (os poucos que ainda sobrevivem nem dinheiro têm para fazer obras minimas de melhoria),

    não aproveita as praias nem piscinas (fui à piscina de Coloane várias vezes este Verão e estava sempre às moscas),

    não gosta de experimentar outras cozinhas e sabores para além da comida chinesa, ou prefere comer em casa (se não fossem os turistas de HK, até os restaurantes portugueses estavam todos falidos),

    não gasta muito no shopping (é ver a quantidade de lojas abandonadas por toda a cidade, e por exemplo a fraquissima qualidade e diversidade dos produtos à venda nos supermercados locais),

    não pratica desporto e vai muito pouco a espetáculos (a não ser que sejam de borla ou patrocinados),

    não frequenta espaços como as Doca dos Pescadores (que podia tornar-se a Lan Kwai Fong de Macau com restaurantes e animação nocturna, mas que está também às moscas), o mesmo para a Torre de Macau,

    não sabe sequer sentar-se numa esplanada ou café para ler um livro/revista ou tomar um refrigerante (em outros locais do Mundo toda a gente frequenta os Starbucks, Pacific Coffees, esplanadas, cafés e afins mas nesta terra parece que também é só para turistas). Agora até o Café Ruby fechou,

    praticamente não compra livros nem revistas nem CDs nem DVDs (basta ver a quantidade de livrarias e lojas de Musica/Video de jeito que existem em Macau). Se calhar é porque vão todos a Zhuhai ou sei lá,

    Enfim, isto é tão confrangedor que não vejo esta cidade alguma vez tornar-se numa cidade verdadeiramente cosmopolita e internacional como HK ou Singapura ou Taipei o Bangkok ou qualquer outra. Esta gente não merece mais do que tem, e provavelmente também não precisa. Basta comer para matar a fome e dormir para matar o sono. Como os parasitas.

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  3. O anónimo há-de me dizer a que horas vai a esses sítios (piscinas, restaurantes, shoppings, recintos desportivos, espectáculos, etc.), que eu também queria ir quando está tudo mais vazio. É que cada vez que vou à piscina de Coloane não arranjo uma espreguiçadeira para me deitar ao sol; sempre que tento comer nos meus restaurantes preferidos, tenho de me lembrar com antecedência e fazer reserva, caso contrário fico à porta; sempre que vou comprar qualquer coisa (como roupa) tenho de andar aos encontrões dentro das lojas devido à quantidade de gente; e sempre que quero ir a um espectáculo, tenho de comprar bilhete no dia em que são postos à venda, porque no dia seguinte já estão esgotados.
    Mas do mal o menos: sempre que me apetece beber um copo fora de horas, encontro sempre sítios abertos e ainda com espaço para mim, ao contrário da "cosmopolita" Bangkok, que me obriga a ir para a cama pouco depois da meia-noite porque já está tudo fechado.

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  4. Bom, o Leocardo já contribui com o blog, a prosa e um espaço de qualidade para comentários.

    Cabe agora aos que se queixam meterem as mãos à obra e abrir um tasco de qualidade, fazerem uma esplanada porreira, produzirem espectáculos e filmes de qualidade, importarem uns queijinhos de qualidade supimpa e criarem espaços porreiros para a movida macaense. Ou então podem fazer companhia aos co-residentes esquisitos.

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  5. Independentemente da diversificacao e das ofertas diferentes, ha uma outra qestao que se poe antes dessas:
    E ha espaco para toda esta gente?
    Antes eu gostava de passar no Leal Senado. Agora ate faz pena;hordas de turistas enchem permanentemente aquele bonito espaco. Subir a pe a Almeida Ribeiro e um suplicio, por entre as pesoas que se deslocam vagarosamente, pois estao de ferias.
    Ainda nao estao satisfeitos com a quantidade de autocarros que enchem a cidade?Ainda querem mais?
    O turista e bemvindo e deve ser tratado o melhor possivel e como diz o Leocardo e ele que move as financas. Mas como e que se resolve a falta de espaco sem dar cabo da vida das pessoas que ca vivem? Querem transformar Macau numa especie de Grande Premio ao longo do ano inteiro?
    E tudo isto para que? Para o Wynn ou o Adelson ficarem mais ricos?Para o Stanley Ho poder comprar mais umas trufas no leilao?
    Para as imobiliarias continuarem a parasitar as pessoas e a dizer que se nao tem dinheiro vao viver para o Zhuai?

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  6. por estas e por outras é que n volto a Macau... antes a piscina de Coloane estave sempre cheia, a praia de Hac-Sá por mais estranha que estivesse tinha sempre gente, as lojas abarrotavam de locais às compras, era na Rua das Mariazinhas, na Rua do Campo onde fosse, os jardins abarrotavam de gente a fazer exercicio ou a por as milhares de gaiolas ao sol e os dezenas de milhares de pássaros a conversar... e até os restaurantes estavam sempre cheios... o que estava vazio era a secção de alimentos dos super-mercados.... mas lendo o que leio todos os dias em diversos blogs que visito sobre Macau.... começo a pensar que n sei se quero voltar.......
    mas de qq das maneiras é sempre bom saber como está Macau....

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  7. Eu moro em Macau e continuo a ver a piscina de Coloane sempre cheia (pelo menos ao fim-de-semana, que é quando posso ir), as lojas sempre a abarrotar, os jardins a abarrotar, restaurantes cheios, etc. Se calhar há duas Macaus...

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  8. Homem Temporariamente Só4 de novembro de 2009 às 06:45

    Ó Patrícia, se fores mesmo aquela da fotografia, volta, que fazes cá falta. Garanto-te que há cá sítios com muita gente. Até te levo lá, se quiseres.

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  9. Aqui são abordados diversos temas sensiveis, que não podem ser vistos de forma leve. Julgo que é importante primeiro classificar o tipo de turista que Macau recebe.

    Se olharmos para os dados estatisticos que regularmente aparecem nos jornais, o principal mercado é naturalmente o da China Continental. E o aumento deste mercado que tem levado à "auto-configuração" do comercio local. Ao comerciante interessa, principalmente, o lucro. Sendo assim, todos os seus esforços se dirigem ao seu principal cliente, que, neste caso, é o turista do interior, o dos vistos individuais e tours, de baixo custo, que procura um produto especifico, muitas vezes pouco relacionado com os conceitos de qualidade e serviço que um turista de outra país possa ter . Ora a uma cidade que vive primeiramente do turismo, classificada como Património da Unesco, com eventos de prestigio internacional como o Festival Internacional de Artes, o Grande Prémio de Macau, Fogo de Artificio, etc, de grandes infra-estruturas de entretenimento e convenções que se pretende afirmar como cidade internacional da China não se pode permitir a tornar meramente uma cidade de resposta a este tipo de turista. Cabe ao governo criar mecanismos para garantir que Macau não se torne apenas uma cidade de turismo "regional". Hong-Kong mantém um equilibrio saudavel de diversidade de turismo e do tipo de turista que recebe porque, além das infraestruturas (hardware), apresenta garantias de qualidade em todos os aspectos, começando por um concelho de consumidores forte, por exemplo, um nivel muito elevado de instrução de Inglês (primeira lingua "internacional") e de educação civica, fundamentais para atrair outro tipo de clientela.

    Não se pode culpar, porém, apenas este governo por estas falhas, sendo que nunca houve ambição de educar a população e de elevar a sua consciência civica nos tempos da administração portuguesa. Porém, a abertura do jogo e a emissão dos vistos individuais veio revelar e acentuar todas as lacunas que esta falta de investimento na população trouxe. Hoje, corre-se atrás do prejuizo, com a agravante do aliciamento do dinheiro facil, que afasta os jovens das escolas.

    Para mudar isto, e para que se consiga atrair outro tipo de turismo e, com isso, aumentar o prestigio da cidade, será necessário um trabalho de fundo na sociedade local. Ao turismo, penso eu, não se pode pedir muito mais. Será fundamental, em primeiro lugar, trabalhar na área da educação civica, básica de lingua estrangeira, trabalhar na consciencia colectiva da população na importância do bem servir o turista, na importância de standards de qualidade, e na aposta na criação de sistemas rigorosos de regulamentação da qualidade de estabelecimentos- não apenas na aparência e no produto- mas no que concerne ao bem servir, ao serviço ao cliente, e garantias que permitem ao turista sentir-se seguro nas suas compras. Ainda não chegamos ao ponto de Zuhai, onde pessoalmente sinto que cada comerciante me vê como um potencial alvo para cobrar preços exorbitantes para artigos sem qualidade, mas se não se trabalhar a fundo e com determinação nisso, e se Macau chegar a esse ponto, então muito dificilmente conseguirá se afirmar como a cidade internacional que pretende ser...

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  10. Ó Leocardo, então ainda não ouviu a referência do Pedro Rolo Duarte ao seu blogue na Antena 1?

    Vá lá ouvir: http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?prog=2361

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  11. anónimos das 11:15 e 11:43 sugeria que os dois marcassem um encontro e que dessem a conhecer um ao outro o tais sítios aonde vão (e as horas também) e que fizessem um texto em conjunto sobre o assunto do que viram e o submetessem ao dignissimo do Leocardo para publícação. Seria interessante analisar o assunto por esse prisma divergente.

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